Blog do JM

22 abril, 2006

Uma mulher, uma vida marcante

A cultura que nos levou a mensurar pessoas como coisas e a tomar o relativo pelo absoluto também nos conduziu ao desvio de reconhecer como missionários apenas aqueles que se tornaram protagonistas de ações vísiveis e - principalmente hoje em dia, quando a exposição pública tornou-se o único meio de validação - barulhentas. O mundo, no entanto, está cheio de heróis anônimos e missionários que atuam em silêncio, sustentando ou mudando as bases da civilização com esforços subestimados na família, nos pequenos agrupamentos sociais, nos pequenos atos do dia-a-dia. É gente que trabalha a argamassa que sedimenta alicerces e paredes da civilização, pedreiros indispensáveis na grande obra da vida.

Faço esta reflexão pensando em Alba Tavares de Oliveira, mulher valorosa e ativa, missionária do bem, que morreu na última terça-feira. Há sete anos, este foi o tema de uma de nossas conversas - ela lembrando, a propósito de um guia espiritual, que muitas figuras de escol deram grandes grandes contribuições à humanidade, mas passaram quase anônimas pelo planeta, quando muito merecendo uma anotação secundária nos livros de História. Não encontro hoje sob os holofotes da mídia o nome de Alba Tavares e o seu sorriso: um sorriso pacífico e fraterno que se manteve impregnado ao corpo inerte no momento da partida. Mas quem poderia apagar dos registros universais a marca de sua passagem pelo mundo?

Numa época de transformação do papel da mulher, Alba abraçou a maternidade como sua prioridade, sem prejuízo de sua atuação social, como professora e militante espírita. Em que pese a rotina dura de uma professora com 12 filhos, ela não só dedicou-se ao seu ideal religioso - ministrando palestras, dirigindo instituições e fundando outras - como ainda encontrou tempo para concluir o curso de Jornalismo, estudar outras disciplinas, viajar (como poderia esquecer o dia em que a encontrei em São Paulo, ela já avó, rodeada de jovens estudantes de jornalismo, participando de um congresso na USP após ter rodado 3 000 quilômetros em um ônibus desconfortável?), dedicar-se a trabalhos assistenciais e até escrever poesias.

Poderia, nestas poucas linhas de reverência à sua figura respeitável, realçar os seus feitos sociais e religiosos, mas na suave cena de seu velório é a Alba mãe, que conheci ainda menino que transborda em meu coração. Ela, seu sorriso sereno, suas considerações evangélicas. E o saudoso Asclepíades Oliveira, o Biliu, seu marido, há algum tempo já no "andar de cima", tirando-me do chão com suas elaborações sobre mundos habitados, discos voadores e o simbolismo esotérico do desenho de Brasília. Ah! Natal era tão pequena, éramos tão pobres, estávamos tão próximos... Os anos passaram, andei tanto por aí, aprendi tantas coisas, tornei-me mais complexo. Mas quando a fragilidade humana marca sua presença em mim, quando balanço em meus conflitos é na recordação de cenas como essas e em mestres como Alba e Biliu, missionários da simplicidade, que reencontro o sentido e me abrigo em Deus.

1 Comments:

  • Obrigado pela mensagem que captura a exata proporção do que "Tia" Alba foi pra mim e expressá-la tão belamente.

    Grande abraço.

    By Blogger Mackenzie Melo, at 3/5/06 03:31  

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