Blog do JM

24 agosto, 2006

DIÁRIO DA ÍNDIA - Parte V (última): Puna, Aurangabad, Ellora, Mumbai e Delhi

27/01/06 - Em Puna, à sombra de Osho

Chegamos a Puna após 11 horas de viagem. Ainda escuro, apesar das 6h30 da manhã desta sexta-feira. Sigo para o hotel Gulmohr, antigo, mas recomendado pelo The Rough Guide to India. Durmo até às 13h quando, então, sou acordado por um telefonema do gerente e, depois, batidas insistentes do officeboy. É preciso xerocopiar o passaporte, norma local. Aproveito para sair, comer algo num bom restaurante - o do Hotel Samrajaya, perto daqui. Depois, sigo para o Osho International Centre (foto ao lado), o ashram do falecido guru Osho.

A Osho International não é uma entidade religiosa. É uma grande empresa que administra os livros e os negócios deixados pelo polêmico guru, que ganhou fama nos Estados Unidos, conquistando a adesão de iupies na década de 80. Aqui tudo eépago. O tour para quem quer conhecer superficialmente o lugar custa 10 rúpias e não passa de uma visita aos jardins e uma sessão de vídeo. Para ficar no ashram é preciso pagar 1260 rúpias (20 dólares) no primeiro dia e 328 rúpias no segundo. Ou 1600 rúpias por cinco dias. E ainda adquirir, em lojinhas ou camelôs próximo ao ashram, dois robes - um cor de vinho e outro branco para os eventos do dia e da noite. Tudo isso não inclui hospedagem, pernoite, que custa 60 dólares. Os cursos são pagos à parte.

Talvez amanhã eu arrisque o dia aqui, pois preciso conhecer como essas estrutura. De qualquer modo, já comprei uma passagem de ônibus (luxo,com ar) para Aurangabad, a cinco horas daqui. Viajarei às 6h30 do domingo. Lá vou me virar para chegar às cavernas de Ellora ou Ajanta, onde há santuários budistas e hinduístas do século XIII.Discretamente ainda deu para fazer, nesta tarde, algumas fotos nas áreas abertas do ashram do Osho - tudo muito elegante, ao estilo de um bom resort ocidental. Depois, fui à German Bakery, um point da moçada que vem ao ashram, onde se come lanches saborosos e bem feitos, principalmente sucos e tortas.

Neste momento, estou encerrando quase duas horas de digitacao em um Internet Centre perto do Hotel. Aqui tem luz, mas lá fora é um breu total. Nesse curto período já tivemos três blecautes na cidade. Vou aproveitar as luzes dos riquixás (ainda é cedo, 19h45, para chegar a um restaurante na vizinhanca do hotel, a uns 300 metros daqui.) Nessas ocasiões, a minha microlaterninha também ajuda.

28/01/06 – Puna: um ashram high-tech que é uma festa!

Na manhã deste sábado voltei ao ashram do Osho. Lá chegando, segui o roteiro previsto para qualquer pessoa: paguei a taxa de 250 rúpias e fiz o teste de AIDS, que e obrigatório para todos os que desejam passar o dia ou se hospedar no ashram. Na recepção é tudo high-tech. Recebemos um aparelhinho com vibrador e um código: um toque, compareça ao balcão de atendentes; dois toques, compareça à clínica para o teste de Aids; três toques, vá a outra clinica para um segundo teste de Aids.

Quando fui chamado ao balcão de atendentes, esbarrei num problema: eu pretendia passar apenas um dia no ashram e o mínimo possível são dois dias (no segundo dia, paga-se uma taxa de 380 rúpias). Já havia até assinado os papéis - na verdade a assinatura é eletronica sobre uma tela. Não há papelada aqui. Insisti com a atendente, ela respondeu que era norma. Informei então que era jornalista, falei sobre minha missão. Depois de alguns segundos, ela deixou de falar em inglês e disse em espanhol que tentaria me ajudar por que eu sou brasileiro e ela, uma mexicana, é casada com um brasileiro.

Sandra, esse o nome da atendente, sugeriu que eu conversasse com a gerente do ashram e explicasse minha situação com o "jeitinho brasileiro". Ela riu e disse qu eos mexicanos também têm o seu “jeitinho”. Foi o que fiz e prontamente a gerente autorizou minha entrada e telefonou para a editora-chefe da revista do ashram, a Osho Times, jornalista Amir Saddhana (na foto à direita, comigo), pedindo para me dar assistência total, pois eu era representante de uma importante revista brasileira.

Esperei na recepção e, nesse período, fui chamado para ajudar duas brasileiras que queriam informações sobre o ashram , mas não sabiam nada de inglês. Eram duas mulheres de Santa Catarina que eu não sei como conseguiram chegar até aqui (talvez tenham se desgarrado de algum grupo). Minutos depois chegou o Samril, da área de Relacoes Públicas, que me acompanharia por todo o dia. Depois a Sadhanna, que me acompanhou no almoço e à noite. Até me devolveram o pagamento da inscrição, considerando-me convidado. Mas fiz questao de reembolsar as despesas com refeições, pagas com os créditos deles.

O ashram do Osho, o polêmico guru que morreu na década de 80, é um imenso resort, com caracteristicas ocidentais, onde há pelo menos duas celebrações durante o dia - isto é, festas, com pessoas cantando, pulando, rodopiando. As técnicas de meditação mais usadas são as dinâmicas. Não há nenhuma atividade devocional e algumas práticas incluem gritos primais, movimentos bruscos do corpo, gargalhadas... Além disso, há atendimento pessoal com massagens, I Ching, cromoterapia, astrologia, etc - tudo muito bem pago, apesar de barato, considerando a conversão em dólar. Os preços, inclusive os da excelente alimentação nos três restaurantes do ashram, estão acima dos precos lá de fora.

É um lugar muito bom para ocidentais estressados e compulsivos – é muita gente fumando, outros nervosinhos andando para lá e para cá - mas não é a minha praia espiritual. Para participar das atividades do ashram comprei, numa barraca de rua, o robe cor de vinho. Passei o dia vestido com ele. Para participar do Evening Meeting, o grande evento da noite, o Samril emprestou-me um robe branco. Nessa ocasião, todos se reúnem no grande auditório, numprédio em forma de pirâmide, e as atividades começam com música e balanço. Continua com a palavra do Osho, em vídeo, seguindo-se uma meditacao também guiada por ele, através de um audio. Oscila-se da gargalhada ao silêncio.

Saddhana e Samril convidaram-me para o jantar. Mas decidi voltar mais cedo para o hotel, pois teria de acordar às 5h, a fim de embarcar para Aurangabad. No intervalo para o lanche, o Samril escreveu em meu bloco de anotações, em inglês, que era muito agradável me receber no ashram. Ao contrário de muita gente talentosa que aparece por lá (jornalistas) , eu era simples e sem arrogância. Fiz várias fotos. Encontrei uma brasileira de Salvador, a psicologa Juliana, que esta há três meses no ashram fazendo cursos, mas não tivemos tempo de conversar o suficiente.

Na volta para o hotel, o motorista do riquixá perdeu-se no trânsito tumultuado. Pede dicas a outros taxistas no idioma local. No final, decido ficar na rua da estação de trem, ao lado da do hotel. Ele me pede desculpas e diz: eu só sei falar ingleê um pouquinho. Ainda há tempo para jantar num restaurante próximo onde me tornei muito querido, certamente por causa das caixinhas gordas que dou (menos de meio dolar, 20 rúpias, o que é raro em restaurantes populares).

29/01/06 – Aurangabad e Ellora: rumo aos templos das cavernas

Acordo cedo, pago o Hotel Gulmohr e espero o ônibus chegar junto à porta de uma agência de turismo em frente ao hotel. A viagem é solitária, mas em Aurangabad me junto a um casal de mochileiros ingleses, pois não entendemos o que disse o cobrador no idioma local (marata) e perdemos a chance de descer na Bus Stand, que na verdade é apenas um acostamento próximo à estação de trem.

Os ingleses aceitam minha sugestão de "rachar" o riquixá e ir até o Hotel Classic, que eu escolhera pelo The Rough Guide to India. Apesar de nossas mochilas volumosas vamos os três no mesmo riquixá. O garoto inglês consegue baixar o preço de 100 para 50 rúpias, quase no grito. É incrível como os mochileiros e os europeus em geral pechicham e fazem questão de centavos. Nesses dias aqui nunca vi mochileiros dando gorjetas e poucos europeus o fazem. Mas a verdade é que os indianos às vezes dobram o preço dos servicos quando percebe que o cliente é estrangeiro.A garota inglesa desce antes e pergunta o preço do hotel. Volta dizendo que eles irão para outro lugar.

Aceito pagar as 800 rúpias por dia. O Classic é um bom hotel, limpo, confortável, pessoal atencioso e simpático e sua agência de turismo promove passeios às cavernas de Ellora, para onde irei amanhã. Estou cansado, mas ainda dou uma volta pela cidade, vejo o movimento no cinema local (Goldie, ao lado do hotel), inspiro a poeira densa na area da estação. O barulho aqui é tambem infernal. Paro numa lanchonete, como e converso com o pessoal, muito gentil. Na chegada sou disputado por dois pequenos garçons de lanchonetes diferentes. Depois vou ao "I Way" acessar a Internet. Muito sono. Durmo pesado.

30/01/06 – Rumo a Ellora e muito mais

Acordo já quase na hora em que o ônibus vira buscar-me no hotel para a excursão às cavernas de Ellora. Trata-se de um programa bem maior: além dos templos-cavernas, escavados na rocha a partir do século IX (e onde estão fantasticos santuários budistas e hinduístas), o passeio inclui visitas ao Forte Daulatabad (foto à direita), marco das invasões islâmicas, ao templo de Grishneshwar (um templo dedicado ao lingam de Shiva e em cujo interior é preciso tirar a camisa para o oratório e participar do darsham), a tumba do imperdador Aurangzeb (espécie de santuário muculmuano), a Panchakki (um sistema medieval de provimento de água a antiga cidade) e a Bibi-ka-Maqbara, um clone quase perfeito do Taj Mahal de Agra, construído no século XVII pelo principe Azam Shah, em memória de sua mãe, sepultada no centro do palácio.

As cavernas de Ellora são 34 (há outras dezenas em Ajanta, mas não irei lá). Visitamos as cinco principais. Apesar da ação do tempo e do vandalismo de invasores etc, as relíquias que lá estão são de uma beleza rara. Buda e deidades hindus exuberantes, além de painéis em pedra com detalhes riquisssimos e também pinturas, cujos vestigios mostram que os monges budistas mandavam os artistas produzirem quadros semi-eróticos a fim de testarem seu auto-controle.

O templo de Shiva (caverna 16, foto abaixo à esquerda) é um espetáculo à parte. O Buda da caverna 10 é uma obra de arte incrível (foto abaixo, à direita). Ao lado há deidades hinduistas, o que prova que, com o declinio do Budismo na região, os hinduístas utilizaram a mesma caverna e a adaptaram aos seus rituais.
Somos guiados por um rapaz chamado Tanvir, que me ajudou. Conversei também como um senhor alemão, muito íntimo de um jovem indiano, que me deu informações a partir de seu guia Lonely Planet em alemão. Conversas rápidas, coisas de turistas.

Fiquei preocupado com uma americana de Nova York que, ao que parece, viajava sozinha. Ela tirou algumas fotos minhas, a meu pedido. Na penúltima etapa do programa (a visita a Bibi-ka-Maqbara), encontrei-a sozinha ainda dentro do palácio, quando todos estavam retornando ao ônibus. Perguntei se queria que eu tirasse alguma foto para ela. Disse não. Se não entendi mal, acho que me pediu para avisar ao guia que ela estava indo (e saiu rapidamente em direção ao jardim lateral do palácio). Não compareceu ao embarque. Quando o ônibus já estava em movimento, avisei ao guia Tanvir sobre sua ausência. Ele desceu para procurá-la. Não a encontrou. E o ônibus seguiu viagem, deixando-a para trás, no fim de tarde.

Terei de ficar mais um dia aqui em Arangabad. Não queria, pois não há mais nada a fazer aqui. Mas o ônibus em que viajarei para Mumbai só partirá àss 11h15 da noite de amanhã. Aproveitarei para dormir mais e, talvez, ir a algum templo hinduista (aqui o movimento é quase ocidental, não há muitos sinais de religiosidade). Poucos acreditavam que eu iria conseguir cumprir o programa que organizei, devido as complicações da India. Não so cumprirei,como inclui duas cidades que não estavam previstas (e exclui uma que estava programada). E, se nao acontecer nenhum imprevisto a partir de agora, ainda terei tempo para descansar ou cumprir um programa leve durante uns quatro dias em Delhi, antes de embarcar para Frankfurt - e,de la, para o Brasil.

Ah! maravilha: nesta noite, até agora (21h10), não faltou luz!

31/01/06 – A caminho de Mumbai

Desde a minha chegada à Índia, há um mes, este é o primeiro dia sem, realmente, nada fazer. Como o ônibus para Mumbai sai quase à meia-noite, pude dormir um pouco mais, tirar parte do cansaco fisico acumulado. Sai do quarto às 13h. Sol escaldante. Fui à procura de um lugar para tomar o café da manhã. Parei numa farmácia, comprei um soro para o nariz (depois de tantos dias comendo poeira e poluicao o nariz entupiu). Comi alguma coisa na lanchonete do pequeno garcom que me cercou no primeiro dia: cumpri a promessa. Depois a Internet, arrumar mochila, tomar banho e seguir para o ponto de ônibus, numa agência de viagens a uns dois quilômetros do hotel.

Cheguei a tempo de saber que o ônibus não iria parar na estação Chaapatri Shivaj (Vitoria Terminus), na Fort Area de Mumbai, onde escolhera ficar. É um lugar privilegiado, com muitos serviços, e vizinho ao bairro mais chique e preferido da turistada - Colaba. Consegui trocar de ônibus, mas fiquei na última cadeira, que não reclina, apesar de ter recebido reembolso por se tratar de um ônibus mais simples. Foi uma viagem dura, com gente dormindo no chão do ônibus e poeira entrando, apesar do ar condicionado. Chegamos à Bus Stand proxima à Chaapatri Shivaj às 6h da manhâ. Escuro. Fui a uma delegacia e lá me informaram como alcançar o Hotel City Palace, que fica em frente à praca da estação - uns 1000 metros que fiz a pé, sustentando minhas mochilas em meio a um corredor de pessoas sem-teto, dormindo na calçada da estação.

01/02/06 – No coração da Índia moderna

Mumbai (antiga Bombaim), com seus 16 milhões de habitantes concentrados em algumas pequenas ilhas, enfrenta um problema sério de espaço. É uma cidade rica, responsável por 40% do PIB da Índia, mas também tem muitos pobres e favelas junto a edifícios majestosos, avenidas largas e, mais ou menos, limpas. A vida aqui é mais cara que no resto da Índia e os hotéis cobram preços exorbitantes.

Nesta manhã encontrei disponivel apenas um pequeno quarto sem banheiro e sem janela, com a promessa de que no dia seguinte mudaria para um apartamento completo. Por esse quarto, do tamanho do banheiro do quarto de minha filha, desembolsei quase o mesmo que paguei em Delhi, num bom hotel. Até o ar condicionado (geladíssimo) é compartilhado com o quarto ao lado, separado por uma divisória de madeira. No banheiro coletivo, banho de balde, ainda bem que com água quente.

Depois de dormir um pouco, sai para conhecer o bairro, fotografar a Vitoria Terminus (foto ao lado), um dos mais bonitos monumentos da cidade, descobrir coisas na área. Rapidamente fui me familiarizando. Dei uma parada no McDonalds, para um MCveg (vegetariano), descobri com um certo esforco uma Lan House onde foi possível trasnferir minhas fotos para um CD, pois o cartão da câmera estava cheio. Mumbai é muito arborizada, mas a poluição aqui é pesada, devido ao grande número de veiculos e, principalmente, os ônibus double-deck antigos. Há também o nevoeiro que, talvez só nesta época do ano, cobre toda a Índia, complicando ainda mais a poluicão provocada pela poeira (o clima é seco) e gases.

Como Mumbai é uma cidade enorme, o melhor é fazer um tour, conhecer os principais pontos turísticos rapidamente e, no dia seguinte, partir para as aventuras isoladas. O preco: só 150 rúpias (uns 9 reais) por um tour que duraria o dia inteiro. Mas depois fiquei sabendo que algumas agências vendem o servico por apenas 100 rúpias!

02/02/06 – Descobrindo Mumbai

Acordo cedo com o barulho vindo do templo da deusa Lakshimi, localizado atrás do City Palace. Às 9h30, o boy do hotel me leva até a agência de onde partirá o ônibus do tour, no mesmo bairro. O ônibus atrasa uma hora. Enquanto espero, conheco quatro rapazes da Kashimira, muçulmanos em férias, que irão me ajudar bastante nesse dia. São simpáticos e o líder do grupo, Irshad (na foto à esquerda, sinalizando com o polegar), vai ser de fato o meu guia na excursão. É que, a partir do meio-dia, o guia que falava inglês foi embora e o guia da tarde resolveu falar em hindi o tempo todo, talvez pelo fato de o ônibus estar lotado com turistas indianos - eu era o único estrangeiro. Irshad me deu uma força, traduzindo.

Foi um passeio longo, vimos muita coisa, explicações detalhadas (que só pude saber em parte). Mas o ônibus, velhinho, era bastante desconfortavel.O passeio começou pelo majestoso portal Gateway of India (foto à direita), de onde partem barcos para a Elephant Island. O portal foi construído em homenagem ao rei George da Inglaterra. Atrás do portal, o imponente hotel Taj Mahal Palace, um edifício de rara beleza e grandiosidade, construido por um imigrante persa como revanche por ter sido proibido de se hospedar no melhor hotel da cidade na época da dominação inglesa. Um passeio rápido pela ruas de Colaba, o bairro onde está o Gateway of India, point de turistas europeus.

No mirante do Nehru Park, uma vista fantástica da baía de Mumbai e da praia Chowpatti. Passamos as pressas pelo Juju Beach, onde moram artistas de cinema, uma atração local, já que Mumbai produz mais filmes que Hollywood. Sua Film City é conhecida como Bollywood. Numa área de 25 quilômetros quadrados estão vários estúdios. É orgulho nacional. Mas não há passeios até lá. Seria necessário encaminhar um pedido especial ao Departamento de Relações Públicas da Film City. Passamos pelo grande Templo de Ganesha, a simpática deidade com rosto de elefante, um dos "santos" mais evocados aqui para remover obstáculos.

Um dos melhores momentos foi a visita ao Museu Prince of Wales que tem um grande acervo de esculturas indianas milenares, imagens dos antigos templos da ilha Elephanta e também esculturas assírias incríveis. Os rapazes da Kashimira, por serem indianos, pagaram 10 rúpias para entrar no museu. Eu, por ser estrangeiro, 300 rúpias e mais 30 rúpias para poder fotografar! Pelo menos tive um privilégio: um guia eletrônico (um walkmam), que ia descrevendo em inglês as peças que eu via na seção de esculturas (imagens de deidades hindus antiquissimas.

Outro: a parada na praia seguinte à Juju Beach para o espetáculo do por-do-sol no Mar da Arábia, apesar da nebulosidade. Nesse horário são milhares de pessoas na areia , passeando ou observando o sunset. Não há ninguém tomando banho. Vestidos com roupas normais, alguns apenas tiram os sapatos para molhar os pés.Ali pertinho, na volta, tivemos a oportunidade de ver e entrar no templo dos Hare Krisha (Isckon), mas ai me deixei levar pelo medo. Estava escuro, o onibus havia parado a uns 500 metros, os rapazes muculmanos ficaram na praia e eu nao via mais ninguém do grupo. Fotografei o belo templo e voltei rápido para o onibus, que so partiria 30 minutos depois. Uma pena.

Os rapazes da Kashemira decidiram ir a um bairro muçulmano para visitar uma mesquita. Me convidaram. Disse que estava cansado e preferi retornar. O ônibus me deixou próximo à Chaapatri Sivaji às 9h30 da noite, - quatro horas e meia depois do horário marcado para o término do passeio. Mas foi um grande dia, muito útil para mim. Tive uma visão geral de Mumbai, uma cidade bem festiva (durante o passeio vimos muita batucada) e conheci muitos lugares.Nesse dia também descobri algo mais sobre o cotidiano indiano.

Aqui, como em outras cidades, os garcons trabalham descalços, exceto nos restaurantes mais chiques e frequentados por ocidentais. Na parada para o almoço, vi como são lavados os copos de alumínio em que são servidos a água tão logo o cliente chega ao restaurante (com tanta pimenta na comida, é preciso muita água). Vi também como são enchidos com água para os clientes (pelo menos naquele restaurante). E bom não falar... Vou continuar bebendo água mineral. Aqui as garrafas de 1 litro são a bebida oferecida em primeiro lugar aos estrangeiros.

Chego ao hotel ainda a tempo de trocar de apartamento. Consigo então um AP completo, com razoável conforto. Saio de novo para jantar no pedaço. Estou cansado, mas satisfeito.

03/02/06 – Encantos da grande metrópole


Na véspera conversara com um atendente do hotel, o Vinod, sobre a possibilidade de eu comprar uma passagem de avião para Delhi. Estou cansado e não quero mais enfrentar trem ou ônibus nesta última semana na Índia. De Mumbai a Delhi sao mais de 1 mil quilômetros. Peço-lhe para fazer uma reserva na Deccan, a BRA daqui, pois preciso poupar tempo para conhecer Mumbai. Ele sugere viajar pela Kingfisher, garantindo que é a mais barata e tem bom servico. Ao levantar hoje, no entanto, vejo na TV que os trabalhadores de aeroportos estão em greve e comento com o Vinod. Vinod me tranquiliza, diz que são apenas os trabalhadores da área de servicos administrativos dos aeroportos (greve contra a possivel privatizacao dos serviços). As companhias aéreas estao funcionando e apenas algumas vôos atrasam. Bato o martelo e deixo os 126 dólares para pagar a passagem, já que não podia fazer via cartão (na verdade, é uma forma do hotel ou do atendente ganhar sua comissão).

Depois do café, pego um taxi para o Gateway of India. Meu plano é conhecer a Elephant Island e o que sobrou de seus templos milenares esculpidos na rocha. Como sou estrangeiro, preciso pagar 5 dólares para ter acesso às cavernas. O bilhete do barco "deluxe" me dá direito a um guia, que descreve as imagens na primeira caverna, a única com alguma preservação. É lá que está a imagem trimurti de Shiva (três cabecas, foto à direita), representando suas faces criadora, mantenedora e destruidora). Para chegar as cavernas, muitos degraus e uma feirinha de lindos trabalhos artesanais. Há liteiras para transportar turistas até o alto da montanha por 200 rúpias (300 ida e volta). Como no seculo XIX, são levadas no ombro, cada cadeira por quatro homens. Tudo barato. Mas infelizmente nada compro, pois não há espaço nas mochilas e os calos nos pés incomodam.

Volto no meio da tarde. No barco conheco o Birendra, um artista plástico que me dá mais algumas dicas. Nos despedimos no Gateway of India e sigo sozinho para descobrir a Colaba. Rodo a pé. Fotografo, paro numa festa de casamento e sou autorizado a fotografar. Um casamento aqui é um acontecimento, uma festa impagável (foto abaixo, à esquerda). Muitas cortinas coloridas na grande tenda, seda demais, guirlandas, candelabros, luzes, sempre numa área ampla, às vezes num campo de criquet. O noivo chega sobre um elefante ou sobre um cavalo, enfeitado com mantos e celas coloridas e douradas. O próprio noivo, surge com roupa colorida, turbante de marajá. Antes de cruzar a entrada da grande tenda, todo um cerimonial. Recebe comida especial de uma mulher, talvez a mãe. Os amigos o cercam, outros dançam e jogam confetes, impedindo a entrada do cavalo. Uma charanga faz um batucada estridente. Soltam fogos de pequeno impacto que lancam confetes na multidão.

Na verdade, os tambores e os chocalhos fazem parte da vida indiana e do hinduísmo. Estamos sempre ouvindo-os em toda parte. Nos templos, nas comemorações, nos comícios (esta havendo muitos aqui). Até para estacionar um ônibus ou carro, o guia batuca no veiculo. Faz um ritmo e quando a música termina é que a operação foi concluída. Ja é noite e perambulo pela famosa Causeway, a rua da Colaba onde estão muitos bares e restaurantes, boutiques masculinas e femininas, grifes internacionais e também lojas de produtos populares, em boa parte pertencente a imigrantes iranianos adeptos do Zoroastrismo - os Parsis, que costumam deixar seus mortos nas Towers of Silence, torres enormes que avistei durante o tour de ontem, a fim de que os abutres possam comê-los.

Tomo um lanche no famoso Leopold Cafe, um restaurante chic, fundado em 1871, repleto de turistas estrangeiros. Os precos? O dobro lá de fora. Mas a comida é boa. As paredes exibem telas de bom gosto, a iluminação indireta e agradável, os garcons servem com classe. Há tambem bebida franca. Em Mumbai o consumo de álcool é praticamente liberado e pode-se ver alguns indianos de porre nas ruas. Em outras partes do país, só há bebida alcoólica nos grandes hotéis e nos Permit Room (ambientes especiais). Os filmes produzidos pela Bollywood tem a ver com isso, gracas a sua receita de melodrama, humor, violência e garrafas de bebidas nas mãos dos atores.

Saio e avanço pelas vielas, saio da área central da Colaba, entro em pequenas lojas, preciso comprar uma camisa, pois não tenho mais camiseta limpa, paro a fim de assistir a um comício - aqui, eles acntecem numa área ornamentada com cortinas de seda, esteiras e gente sentada, sem sapatos. No palco, o politico discursando e nas pausas... tambores e chocalhos.

Retorno a área do meu hotel de taxi e arrependido por ter marcado viagem para Delhi no dia seguinte, sábado. Teria sido melhor ficar em Mumbai, continuar curtindo essa cidade que, de certo modo, me encantou. Dominei rapidamente seu código, como se eu estivesse em São Paulo. E foi a cidade onde, tive uma certa dificuldade de comunicação com algumas pessoas, pois a diversificação dos sotaques aqui e grande e tem muita gente que não fala inglês entre o povo.

Chego a tempo de acessar a Internet (a Lan House fecha às 11h da noite) e passar um email para o Hotel Ajanta , de Nova Delhi, pedindo reserva de um apartamento e alguém para me pegar no aeroporto. Nao há mais restaurante aberto junto ao hotel. Vou a outro numa rua próxima. Um bêbado senta-se na minha mesa (na India pode-se sentar numa mesa já ocupada, desde que se peça licença), pergunta se sou de Chicago e me obriga a provar sua comida indiana. A comida é lacto-vegetariana. Fala sobre as virtudes do yogurte, diz que dá vigor ao homem. Mas sai antes que eu acabe a refeição.

04/02/06 – Delhi de novo e a imensa saudade da Índia


Acordo às 10h, organizo minhas tralhas e resolvo seguir para o aeroporto doméstico de Mumbai (Santa Cruz). Quatro horas antes da partido do meu vôo. Devido à greve, melhor ser precavido. Despedida afetuosa no hotel. Não dou caixinha ao Vinod. Acho que ele ganhou uma boa comissão com a minha passagem aérea e também com uns dólares que pedi para ele cambiar para mim (ontem à noite troquei dólares a uma taxa bem mais vantajosa em Colaba). Mas atrás de mim, enquanto desço a escada se forma uma pequena procissão de boys, camareiros, gente que me prestou algum serviço. Todos na esperanca de que lhe de algumas rúpias. Percebo que sou dos poucos hóspedes que dão caixinhas aqui. Até o guarda do hotel, se apressa em abrir a porta do táxi. Distribuo 70 rúpias! (Uns quatro reais).

O motorista me deixa no terminal errado. Há confusão, polícia na entrada, muita sujeira, funcionários em greve, equipes de TV e jornais. Sou entrevistado por um repórter do jornal "Asia Age" e sigo a pé para o terminal ao lado. É a policia quem garante os serviços minimos de manutenção do terminal, mas as companhias aéreas estão OK. Vejo então que a Kingfisher é uma empresa diferenciada, que oferece um excelente serviço, como fazia a Tam no passado. Bom atendimento. Avião luxuoso. Serviço de bordo requintado e já incluido na passagem. Brindes. Aeromocas vestindo discretas minissaias, em vez dos saris das aeromocas da Indian Airlines ou da Air India, as mais tradicionais e mais caras. Video na cadeira e 17 canais com programações especificas, inclusive entrevistas com artistas da Bollywood. Desconfio que estou pagando mais por tudo isso, que fui enrolado pelo funcionário do hotel. Se isso aconteceu devo ter pago, no máximo, uns 70 reais a mais, por um servico de primeira. Valeu.

A viagem até Delhi durou 2 horas. Na aáea interna do aeroporto não encontrei ninguém do Hotel Ajanta. Então comprei um bilhete de taxi pre-pago. Acho que fui roubado, mas como não tinha certeza, não pude reclamar. Penso ter dado duas notas de 100 rupias para pagar o bilhete de 160 rupias. De repente o rapaz esta com um cedula de 100 e outra de 50 me pedindo mais 10 rupias. Penso que, se houve troca, ocorreu enquanto eu ajustava a bagagem no carrinho.Ao sair para o pátio, encontrei o motorista e a van do Hotel Ajanta e voltei para cancelar o bilhete do taxi. Além de mim, na van, um rapaz australiano que também acabara de chegar. Viemos conversando até ao hotel.

Nesta noite assisti a um kirtan num templo hinduísta, bem simples, aqui próximo ao hotel. Um ato do qual participavam apenas jovens. Foi lindo e fui muito bem recebido pela turma. Jantei bem e agora, 1h40, encerro atividades. Quero dormir sem hora para acordar.

Últimos dias – Que viagem inesquecível!

Ainda ficaria em Delhi até a madrugada de 10 de fevereiro de 2006, quando embarquei para Frankfurt. Mas não seria mais possível registrar minhas atividades em emails para a família ou amigos. Meu chefe na revista Viagem e Turismo, Kiko Nogueira, comunicou-me que batera o martelo quanto a uma edição especial da revista sobre a Índia e pediu que eu elaborasse de imediato um projeto editorial. Em seguida determinou que eu preparasse um resumo, em inglês (apesar de minhas limitações nesse idioma) e o encaminhasse ao sr. Venkatesan, representante do Departamento de Turismo da Índia em Nova York, que assegurara suporte publicitário.

Os dias de descanço e atividades leves na volta a Delhi não aconteceram. Foi trabalho duro no bussiness center do meu hotel e no de um hotel próximo, que cobrava menos pelo uso dos micros. Ainda assim encontrei tempo para deliciar-me com um espetáculo de danças clássicas e folclóricas no domingo, 5 de fevereiro, e no dia 7 dediquei-me à descoberta do Akshardham Park (foto à direita), um novíssimo parque temático espiritual inaugurado em novembro de 2005, junto ao rio Yamuna, a 25 quilômetros do centro de Delhi. É fantástico, uma espécie de Disneylândia hinduísta – imponente e high-tech - , inspirada na obra do guru Swaminarayan, um dos reformadores do hinduísmo. Acertei a viagem até lá com o Ashoka, um motorista de riquixá simpático, cuja veículo é ornamentado com santinhos de Shiva e madre Teresa de Calcutá, evidenciando a divisão religiosa de sua família. Ele ajudou-me nas sete horas em que passei dentro do parque, sem que pudesse conhecer tudo o que lá existe.

Ainda voltaria ao kirtan no templo humilde. Lá, gravei sons da moçada, em seus cânticos devocionais. Sem frio, pude jantar todas as noites no self-service da cobertura do hotel. Experimentei o serviço de barbeiros muçulmanos, simpáticos, apesar de não falarem inglês. Perambulei enfim por Delhi, como gosto de fazer, e, por último fui às compras, às livrarias e presenciei nas ruas parte de um festival islâmico que aconteceu na cidade no dia 9 de fevereiro. Nesta noite, meu jantar na cobertura foi especial: a cortesia dos garçons amigos e os fogos no céu de Delhi, por causa do festival islâmico, enfeitaram minha despedida. Uma cena que me emocionou, coroando nos últimos minutos essa viagem em tudo e por tudo inesquecível. Graças a Deus!

No meu site Planeta Jota (http://www.planetajota.jor.br/) a matéria Índia é também ilustrada com pequenas filmagens que fiz em Bodhgaya, Rishikesh e Delhi. Vale a pena dar uma olhadinha na reportagem e nas imagens.
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[Estas anotações informais complementam a reportagem do site http://www.planetajota.jor.br/ e a reportagem especial ÍNDIA - A deusa de mil faces, da revista Viagem e Turismo, da Editora Abril]

30 junho, 2006

DIÁRIO DA ÍNDIA - Parte IV: Bangalore, Puttaparthi (Sai Baba) e Goa

17/01/06 – Aniversário de peregrino

Passei o meu aniversario entre Calcutá, no leste, e Bangalore, no sul da Índia. Desde 1982, quando comemorei a data perambulando na noite de Amsterdam, não vivia experiência do gênero. Há dois anos,passei o 17 de janeiro em Lisboa, mas estava acompanhado de minha esposa, Fátima.

Ainda sobre Calcutá devo dizer que é uma cidade gigantesca, como São Paulo, que exibe em seu miolo sinais de pujanca, mas apresenta muitos contrastes, principalmente em sua periferia. Foram necessários apenas 5 minutos após eu sair do hotel, na primeira noite na cidade, para que me oferecessem maconha e haxixe. Não há tanto assédio de vendedores, como em Delhi, mas os pedintes às vezes clamam com enorme dramaticidade. Alguns parecem realmente famintos.Acordei cedo. O canadense Gilles veio
tomar café comigo.

A caminho do aeroporto, o táxi - um Ambassador - teve o pneu dianteiro estourado a cinco minutos do destino. Como ia devagar, nada grave aconteceu. O motorista me colocou em outro carro. O avião atrasou três horas. Ainda assim, e apesar de ter chegado a Bangalore às 17h, ganhei tempo. De trem seriam três dias! Foi uma viagem solitária, sem papo com qualquer pessoa. E com um contratempo na chegada. Em Bangalore peguei um táxi pré-pago no aeroporto rumo a um hotel de bom nível (o Berry's), listado pelo guia Lonely Planet, situada na área central da cidade. Ao chegar lá, no entanto, encontrei o edifício em reforma. O hotel havia fechado. Com a mochila nas costas, caminhei por uma área de uns três quilômetros, cotando outros hotéis, e acabei no Ajanta, que também é indicado pelo guia. Os hoteis dessa área estão quase sempre lotados, muita gente vem aqui a negócio.

Bangalore, com os seus quase 8 milhões de habitantes, nem parece Índia. Cidade muito ocidentalizada. Cresceu como centro de pesquisas militares. Hoje é um centro de tecnologia, tem várias indístrias de ponta em informática e biotecnologia, comércio intenso e, por enquanto, está encantada com as pizzarias e as cafeterias no estilo ocidental. As grandes marcas estão presentes aqui. Há bons shopping centers. Mas nada que se compare ao glamour dos shoppings brasileiros. Nem mesmo aos de Natal.

Após tomar banho e jantar, exausto, dormi mais cedo.


18/01/06 – Na capital da tecnologia indiana

Hoje tirei o dia para caminhar pelo centro, conhecer o lado ocidental de uma cidade indiana onde há poucos oratórios nas lojas, poucos templos na área central e muitos carros e motos, além de riquixás. Tranquilidade. Não há assédio de vendedores. Há sinais de trânsito em muitos cruzamentos. As ruas são limpas, as lojas, os restaurantes, a estação de trem também - limpa e organizada. Ainda assim há barulho demais e no início da noite o trânsito fica infernal. Há muita fumaça e poeira.Aqui perambulo solitário. Pouca conversa com vendedores, garcons. Olhos atentos para observar a democracia religiosa, a boa convivência entre hindus, cristãos e muçulmanos.

Em alguns centros comerciais, em vez de um pequeno santurário para uma deidade hindu,
encontro azulejos (ao estilo português) que mostram lado a lado figuras de Jesus, Shiva e a Caaba de Meca. Estive hoje no Museu de Tecnologia. Pensei que era algo imponente, mas é tudo muito simples. Na frente do prédio, um orgulho nacional: uma réplica do foguete indiano. Vale lembrar: este país tem misseis, bomba atômica e lança satélites. A Índia, como o Brasil, tem suas enormes contradições políticas, econômicas e sociais. Estive também no estádio de criquet, esporte nacional, e na praça Mahatma Gandhi.Hoje foi um dia quente aqui.

Esqueci de providenciar minha passagem de ônibus para Puttaparthi, amanhã. Lá pretendo pousar no asharam de Sai Baba, a menos que eu não encontre lugar. Mas tenho impressão de que poderei encontrar passagem amanhã e, se possivel, ainda fazer um tour por Bangalore, a 3 dólares, organizado pela Embratur daqui – o Departamento de Turismo, cujo site na web é o Incredible Índia.Ficarei em Puttaparthi até a manhã do domingo, quando retornarei e pegarei um trem para Goa, no litoral oeste, numa estação a seis quilômetros da estacao de Bangalore. Infelizmente não havia mais lugar na primeira classe. Consegui uma cama na segunda classe. Certamente vai ser um “Deus nos acuda”, mas é isso mesmo. Isso dá sabor a esta viagem incrível.
São 21 horas aqui. A Lan House vai fechar e eu vou correr para ver se ainda consigo jantar. Bangalore também dorme cedo.


19/01/06 – À procura de Sai Baba

Estou fortemente resfriado. A maratona indiana está mexendo com a minha resistência. É dificílimo ter resfriado no Brasil. Mesmo em Bangalore, capital do estado de Karnataka, uma cidade com ruas pavimentadas, mais limpeza e mais estilo de vida ocidental, a poeira é constante. E quando à poeira se junta a poluição dos veiculos e a névoa seca que cobre quase toda a Índia nesta época do ano, o resultado é um coquetel um coquetel terrível para os humanos. Em todo lugar, gente tossindo. Nos trens, então... E aqui as pessoas tossem com vontade e sequer viram o rosto quando estão perto de alguém.

Não encontrei um único estrangeiro em Bangalore. Aqui vêm poucos turistas. Em Calcutá notei que eram muitas as garotas mochileiras, boa parte meninas inglesas, de pouco mais de 20 anos. Talvez uma parte dos jovens siga para lá atraida pelas drogas (maconha e haxixe,oferecidas nas esquinas da área da Sudder Street).

Acordei sentindo-me fraco e resolvi dormir mais um pouco. Só sai ao meio dia para o café da manha, as últimas fotos e o deslocamento para estação ferroviária. Lá encarei uma fila para comprar passagem de trem até Dharmavaran, onde então poderia pegar um ônibus para Puttaparthi. Quando chegou a minha vez, a funcionária da estação convenceu-me a mudar de
idéia. Disse-me que era melhor eu pegar um ônibus na bus stand ao lado, rumo a Watterfields e lá tomar um trem direto para Puttaparthi. Hesitei, mas aceitei. Acabou sendo bem melhor para mim. O ônibus, por apenas 15 rúpias, deixou-me na porta de um outro ashram de Sai Baba (o ashram Brindavam, foto à esquerda, bem menor que o de Puttaparthi) em Waterfields.

Lá encontrei uma portuguesa e uma suiça que estavam de partida para Puttparthi e me disseram que, em vez de trem (que levaria uma noite inteira para chegar até o destino), o melhor era eu ir de táxi. Indicou-me então um casal de canadenses que estava esperando um carro já contratado. Falei com o sr. de barba branca (esqueci o nome) e ele aceitou que eu participasse da “vaquinha”, mas a verdade é que táxi que contratara não apareceu (o motorista recebeu adiantado uma parte do dinheiro e decidiu só fazer metade do servico). Acabamos seguindo num LandRover, com mais seis pessoas, cada uma pagando 350 rúpias, algo em torno de 20 reais.


No caminho (uma estrada asfaltada tão estreita onde mal cabia o jipe), muita conversa com o candanense. Deu-me muitas dicas sobre o ashram do Sai Baba (ele está hospedado lá há duas semanas), Falamos muito (nos limites de minhas possibilidades em inglês) sobre Canadá, Índia, Brasil e os problemas sociais e espirituais do mundo moderno. No caminho, um jovem engenheiro indiano, Prakash, que viajava conosco, passou mal depois de comer um pastel vendido na estrada e vomitou bastante. Chegamos ao ashram às 9 da noite e somente o casal de canadenses pôde entrar, pois já estava alojado lá.

Eu e o Prakash saimos à procura de hotel. Fiquei no Hotel Sri Sai Sadan, recomendado pelo canadense. Muito bonzinho, mas o Prashak achou caro (300 rúpias) e foi para um lugar mais barato. O pessoal simpatico do hotel me permitiu jantar mesmo depois de o restaurante ter encerrado suas atividades. Dormi cansado, mas bem nutrido.

20/01/06 – O sagrado e o hilário no templo de Sai Baba

Na manha de hoje, o Prashak, um rapaz super-tranquilo, veio tomar café comigo no hotel, a meu convite.Conversamos sobre sua cidade Chenai, que exclui de meu roteiro por falta de tempo, e também sobre Bangalore, informática, etc. Prashak é devoto do Sai Baba, levou-me até o ashram, apresentou-me a recepcionistas e fui encaminhado ao Setor de Acomodação de devotos não originarios da India e do Nepal. Preenchi ficha, mostrei passaporte, fui fotografado e paguei a taxa de apenas 20 rúpias (1 real) ao dia para ficar hospedado no ashram. Colocaram-me em um dos últimos alojamentos no lado oeste do ashram.


Em toda parte, a foto de Sai Baba. Na pequena sala de recepção havia nada menos de 12 fotos grandes e médias. Sai Baba é para os seus devotos o que Jesus é para os cristaos. Dai o culto onipresente. O asharam Prashanti Nylaiam, este é o nome, é um lugar especial e exemplar (na foto a área do restaurante ocidental e o canadense barbudo com quem viajei de Waterfields a Puttaparthi).
Uma área enorme, de muitos hectares, bem funcional, arborizada, cheia de jardins e onde há dezenas de edificios de cinco andares (no máximo) onde funcionam alojamentos para familias (apartamentos) e para pessoas que viajam sozinhas, vários restaurantes (inclusive um para ocidentais, com excelente comida vegetariana). Na verdade, ali comi a melhor comida vegetariana de minha vida. Os alimentos são preparados sob mantras e orações, tudo feito com o coração e limpo, muitissimo limpo. Comi também no restaurante indiano na noite do primeiro dia, pois perdera a hora no Western Canteen. Bastante diferente: os indianos não usam talheres, todos comem com a mão e adoram umas comidas estranhas, espécie de farofas molhadas, angus que eles misturam com arroz, muito arroz branco e caldo picante.

Os alojamentos dos homens estrangeiros são simples, mas harmoniosos. Centenas de camas de metal com dois colchonetes finos superpostos. Estantes de tijolo junto às paredes laterais. Um santuário simples onde está a foto de Sai Baba e pequenos ícones de deidades hindus. Banheiro com privada estilo ocidental. Nada mais. Como não levei roupa de cama, dormi sobre o colchao limpo. Os mosquitos não me atacaram. Após as 10 da noite, silêncio total e escuridão. Antes, conversas a baixa voz. Tudo muito tranquilo. Comparado aos alojamentos dos indianos e nepaleses (homens e mulheres), o nosso era muito luxuoso: nos deles só havia chão e paredes. Não é discriminação. Os indianos tem o hábito de dormir no chão. As mulheres improvisam pequenas cabanas para trocar de roupa ou assegurar privacidade. Na verdade, em viagem todo indiano está sempre com o seu lencol, um cobertor e um travesseiro. Ao chegar nas estações de trens, ele logo demarca no chão o espaco onde vai ficar sentado e, depois, deitar.

No ashram fiquei ao lado de um rapaz da Croácia, muito prestativo e conversador (até um um pouco demais). Apesar de ele estar muitíssimo gripado, insistia em conversar comigo e dar-me dicas. Não deu para participar do Darshan (encontro com um iluminado) da manhã, em que o Sai Baba aparece e abençoa a multidão reunida no belissimo templo do ashram, um salão que pode abrigar mais de 10 mil pessoas (homens e mulheres separados), todos sentados no chão, com excessão de algumas cadeiras simples para quem esta doente. Cheguei tarde.


O templo é uma das obras arquitetônicas mais lindas que vi na Índia, mas infelizmente nenhum
templo ou santuário dentro do ashram pode ser fotografado (e em toda a India nenhum templo hindu pode ser fotografado por dentro). No centro existe um altar de Ganesha (a deidade com tromba de elefante, filho de Shiva e Pavarti, invocada no inicio de todos os trabalhos espirituais na Índia). Ganesha e Hanuman são muito venerados aqui. Há uma sessao de bajans às 9h. Todo o ashram é envolvido por sons divinos, canções espirituais cantadas por milhares de pessoas na lingua local, tegulu ou canara, ou ainda em hindi ou sânscrito.

Aproveitei o resto da manhã para visitar diferentes áreas do ashram (na foto ao lado, um dos portais, em frente ao templo). Há até um shopping center, onde produtos essenciais e roupas são vendidos a preços bem mais em conta que no comércio próximo ao asharam. Há cantinas, padarias, lanchonetes, livrarias onde são vendidas obras de Sai Baba, Cds. Há ate uma radio digital. Mas em tudo se sente a ausência de interesse comercial. Os preços são simbólicos ou quase. A comida nos restaurantes, então, é praticamente de graça. Nos santuários espalhados pelo ashram há placas que pedem aos devotos para não colocarem dinheiro junto aos ícones, como acontece normalmente nos templos hinduistas.


O trabalho espiritual de Sai Baba é realmente digno de apoio e colaboração. Sua proposta é de respeito a todas as religiões e prática da devoção a Deus através do amor ao próximo, do trabalho em favor do proximo. Junto ao ashram há um hospital de alto nivel mantido pela comunidade dos devotos. Faz-se ali até transplante de coração. Tudo de graça. Há escolas para criancas pobres. Alguns quilômetros distante do ahsram funciona uma Faculdade de Altos Estudos de Medicina - tudo de graça. Fui tomado de profundo respeito por tudo o que vi e pelo clima espiritual desse lugar abençoado.

À tarde, entro numa das filas para o Darshan das 15h, no grande templo, quando Sai Baba pode comparecer ou não. (Ele não manda aviso). Minha fila foi sorteada para entrar primeiro. Logo, peguei um dos primeiros lugares, a primeira fila, junto a faixa por onde Sai Baba passaria. A segura é rigorosa, Há detetetor de metais na entrada e revista manual, um a um. Uma placa lista dezenas de objetos comos quais não se pode entrar: celular, gravadores, câmeras fotográficas ou filmadoras, caneta, papel, bolsas, garrafas d´água, guarda-chuva, objetos cortantes etc Fiquei três horas sentado no chão de mármore. É dureza. Mesmo os indianos não aguentam ficar o tempo todo na postura de lótus. Mudam, estiram as pernas... Imaginem eu. Mas o ambiente é de paz, nenhuma inquietação. Conversa-se baixo. Todos esperam, inclusive crianças e velhos. Muitos estrangeiros, esses as vezes sentados numa cadeirinha de almofadas que pode ser adquirida no shopping center do ashram. Preferi viver a experiência do indiano comum.

Sai Baba não apareceu, mas pontualmente às 17h teve inicio uma sessão de bajans, lindos, cantados por um cantor de voz melodiosa e repetidos pela multidão. Algo de arrepiar. Nessa tarde, sentaram ao meu lado dois jovens do Nepal que eu conhecera pela manhã, percorrendo o ashram. Conversamos enquanto esperávamos Sai Baba. É grande a presenca de jovens nos oficios religiosos hinduistas, ao contrário do que ocorre nas religiões ocidentais.

Nessa tarde também aconteceu uma das cenas mais hilárias de minha viagem. O fato de ficarmos no chão, apertadinhos no meio da multidao, pode provocar gases. Não tive esse problema, a comida do ashram me fez bem. Mas um garoto que estava junto com a familia não conseguiu segurar e, no meio da multidao, abalou a espera sagrada com um estrondoso pum. No inicio todos olharam para o chão. Mas logo comecaram os risos. Incrível.

No final da tarde, meditei nos jardins e estive no shopping center do ashram. Para entrar lá, como em quase tudo aqui na India, é preciso tirar os sapatos. Também há horários diferentes para o acesso de homens e mulheres. Tudo limitado: os homens só tem das 17 às 19h para comprar. As mulheres, das 9h às 11h. Há tambem horários para comprar nas cantinas, nas livrarias. Nada de consumo descontrolado aqui.Foi um dia lindo. Vou dormir. O vizinho croata está mais gripado ainda. Tosse e eu prefiro dormir com a cabeca para o outro lado da cama.

21/01/06 - O encontro com o avatar e a reação do croata

Acordo às 4h, como a maioria, a fim de não perder o Darsham. Mas só entro na fila de acesso ao templo lá pelas 5h30. Fiquei sentado no chão até às 7h50 quando, finalmente, aparece um carro com vidros aparentemente blindados que vai entrando lentamente pela faixa central do grande templo. É Sai Baba. O coro de homens (a maioria jovens) começa a entoar uma canção ou mantra no idioma local. As pessoas se agitam um pouco. Alguns homens saem da posição e prejudicam a visão de quem está atrás. Há protestos e eles se acomodam. Dessa vez, estou na quinta fileira, desde a faixa. O carro passa pela frente do altar central de Ganesha lentamente. Sai Baba, sentado, olha para nós. Um olhar sereno, cândido. Acena lentamente, sob o peso de seus 80 anos.

O carro contorna e para atrás do altar. Sai Baba desce e, sentado numa cadeira de rodas, é conduzido por um devoto para um contato mais proximo com pessoas que estão junto ao altar. Nesta manhã nenhuma conversa, nenhuma palavra. Ele fica apenas 8 minutos no ambiente e sai no mesmo carro que o trouxe. Vai em direcao ao hospital, onde visitará doentes. Depois irá para outros locais. Mas a multidao, inclusive os que chegaram doentes, parece satisfeita. Todos, então, se levantam e vão embora sem queixas.

Sigo para o restaurante ocidental. Mas não está aberto. Ninguém sabe dizer se haverá café da manhã, apesar de uma placa anunciar que seria servido após a sessão de bajans, àss 9h30. Muito tarde. Encontro o malaio Gowrikumar e um senhor inglês à porta do restaurante. O senhor inglês fala, fala. Eu e o Gowrikumar decidimos comprar algo na padaria para comer. Depois, ele me ensina o caminho para o Museu das Religiões, uma das coisas mais importantes a ser visitadas no ashram. Ali há imagens e documentos referentes a todas as grandes religiões do mundo. O Cristianismo e Jesus têm um lugar especial nos quatro andares do grande edificio, situado no topo de um pequeno monte. Emocionante ver como todas as religioes são tratadas e como são mostradas as similaridades entre todas elas. Tudo com muito respeito. Aliás, Sai Baba tem é autor de livro chamado "Be like Jesus" (Seja como Jesus). nfelizmente nada pode ser fotografado.


Ao deixar o museu, passeio um pouco pelas ruas próximas ao ashram. A cidade de Puttaparthi é próspera, cheia de comércios pequenos, tudo girando em torno de Sai Baba. Quase todas as lojas tem no nome Sai Baba. Ao retornar ao alojamento para molhar o rosto, sou abordado pelo croata. Ele pergunta por que eu dormi com a cabeca invertida. Para não ser grosseiro, digo-lhe que precisava da ventilação do corredor formado pelas camas. Ele então me diz que passei a noite roncando, que tenho um problema sério que pode ser curado com a medicina indiana (ayurvédica). Sugere um tratamento no estado de Kerala. Disse-me que outras pessoas roncaram, mas comigo foi diferente. Eu não deixei os vizinhos dormirem. Um ronco muito forte. Alguns colocaram algodão no ouvido. De fato, com a gripe parece que o problema se complicou. E eu não trouxe comigo nenhum descongestionante nasal. Ao retornar ao Brasil vou tratar desse problema, pois sinto que estou dormindo mal. Durante o dia, às vezes, sinto sono e cansaco. O croata me ajudou com a sua advertência.

Impressionante: o ashram estava cheio de gente, mas o ambiente era de paz e harmonia. Conversei com muitos estrangeiros: gente do Canadá, da Malasia, do Nepal, da Argentina, do Chile, um português e um brasileiro de Curitiba. Todos tinham uma história interessante para contar, mas o melhor depoimento foi o do jovem engenheiro português, de 35 anos, que me foi apresentado no restaurante ocidental. Falou-me que estava impactado. Sempre fora um cético. Nunca se preocupara com energias ou valores espirituais. Mas em apenas cinco dias no ashram sentira que sua vida estava se transformando, ele perdera o controle. Viera direto de Lisboa, a convite de uma amiga. Ficara chocado com a diferenca de hábitos, inicialmente, e com todo o cerimonial religioso do lugar. Mas ao entrar em contato com um anel que fora materializado pelo Sai Baba sentiu uma estranha energia percorrer-lhe o corpo. Estava também impressionado com a paz que sentia. Era como se estivesse voltando à infância. Sentia que precisa aprender tudo de novo. Conversamos um pouco, sugeri livros, falei de minhas experiências, ele estava maravilhado. À noite encontrei-o ferecendo uma guirlanda no santuário de Ganesha, na entrada do ashram.

22/01/06 - Um ladrão no ashram

Acordo as 7h. O croata insiste para que eu vá ao bajan das 9h, diz que é muito poderoso, pois é cantado sobre a faixa por onde caminha Sai Baba, que na manhã deste domingo está em Bangalore. Digo não, pois preciso embarcar às 9h30 num ônibus para Bangalore e, de lá, num trem para Goa. Nesta manhã, a dualidade da vida vai mostrar sua cara mesmo neste recinto sagrado. Ontem percebi que alguém levou minha sandália Dupé, trazida do Brasil, mas atribui o fato a uma simples troca por engano, pois sao milhares os sapatos e sandálias deixados junto ao templo, onde só se entra descalço. A Havaiana que encontrei no lugar da minha Dupé era muito semelhante, mesma cor. Agora calço tênis, pois, a intenção é tomar o café da manha e, em seguida, rumar para a estação de ônibus, em frente ao ashram.

Surpresa: encontro junto a escadaria do restaurante ocidental a minha velha sandália Dupé. Acho aquilo incrível e decido deixar ao lado dela o meu tênis. Na volta, quem sabe, poderia saber quem a capturou na tarde anterior. Mais surpresa: ao retornar do café da manhã não encontro nem a Dupé nem o meu tênis Reebok. Fico perplexo.


O barbudo canadense me diz que já acontecera isso com ele duas vezes. O ashram é um lugar
aberto, todos podem entrar em sair dentro dos horários previstos. Há um posto policial interno onde se vê murais com fotos de pessoas que costumam praticar furtos na área. Tenho apenas 30 minutos para comprar um novo sapato, ir ao alojamento pegar minhas tralhas e embarcar na bus stand. Caminho descalço, encontro o malaio Gowrikumar (foto à esquerda), que se surpreende ao encontrar-me sem sapato e me dá uma boa dica: no domingo, o shopping center do ashram abre para os homens pela manhã. Corro até lá, compro um tênis tipo conga, barato (uns 3 reais aqui), corro mais, pego a mochila e, com a ajuda de um transportador, sigo para a estação de ônibus. Consigo embarcar, gracas ao pequeno atraso do onibus. Mas transpiro por todos os poros.

Viagem tranquila até Bangalore. Ao meu lado, o americano Jerry, um cara de uns 50 anos que está pela segunda vez na Índia. Esteve há pouco em Goa e vai me passando dicas. O Jerry é tranquilo e fala pausadamente, de modo que não temos dificuldades no dialogo. Chego a estaçãozinha de Vespantur meia hora antes do trem partir. Embarco no vagão de camas da segunda classe, mas a viagem é super-tranquila dessa vez. Muitas familias sorridentes, jovens brincando. Na minha cabine está uma familia completa. Troco algumas palavras com o pai e a mãe sobre destino do trem, horários. Me perguntam sobre o Brasil. Mas minha viagem é mesmo solitária. Penso e descanso. E ronco, pois acordo com o vizinho de cima batendo na divisória da cabine. Viajo sem almocar ou jantar, mas dessa vez levo frutas e alguns biscoitos.

23/01/06 – Goa: aqui se fala português?

Panaji e Old Goa
O trem chega a estação da pequena cidade Vasco da Gama com um atraso de apenas 40 minutos, uma raridade na Índia. São 6h50 e o sol ainda está nascendo. Faço fotos na área e vou a pé até a pequena bus stand onde tomo um ônibus (só cinco rupias) para Panaji, a capital do estado de Goa, uma cidade pequena, organizada, limpa, muito agradável.Goa é o menor estado da Índia e um dos preferidos por turistas europeus e do resto mundo. Os portuguesesestiveram aqui por 500 anos. Foram expulsos por tropas indianas na década de 60. Presença ocidental tão longa deixou marcas especiais na área.

Aqui persistem traços ocidentais no dia-a-dia e um comportamentodiferente do resto da Índia. O cristianismo éuma das principais religiões aqui. Muitas igrejas católicas, pequenos oratórios de santos cristãos nas ruas e no comércio, em lugar dos santuarios das deidades hinduistas. Casas de famílias cristãs exibem cruzes em tijolos. Mas ainda vemos os icones de Hanuman e Ganesha em muitos lugares.

Há uma grande liberalidade. Mulheres usam saias e calças compridas; poucas vestem o tradicional sari indiano. Consome-se álcool abertamente (bebe-se muita cerveja aqui, mas não vi bêbados nos bares e nas ruas), ao contrário de outras partes da India, onde somente em alguns hotéis vendaem-se bebidas alcoólicas. Vemos casais se abraçando e até se beijando em público, coisa que não se vê no resto do país (o toque, o abraço e o enlace de mãos é mais comum entre pessoas do mesmo sexo). Na Índia há pouquíssimas mulheres nas ruas (e as que vemos estão com seus maridos).

Engana-se quem pensa que em Goa o português é lingua corrente. Ninguém fala português no
dia-a-dia. Apenas inglês e o dialeto local. Somente alguns habitantes mais antigos sabem falar português e é dificil encontrá-los. Ainda assim, há clubes e instituições que preservam a cultura portuguesa, como o Instituto Camões e o Clube Vasco da Gama (foto ao lado) .Panaji (eles pronunciam Panji) fica a uns 12 quilômetros de Vasco da Gama.

A paisagem da chegada, com pontes cruzando o rio Mandovi e muitas árvores que embelezam toda a cidade, é repousante. Há também pouca poeira e pouco barulho de buzinas por aqui. Chego cedo à pequena bus stand de Kabanda e vou de riquixá para o Hotel República, cujo gerente é um português. Mas ele não está e o atendente me diz que o hotel está lotado. Só as 10h desocuparia um AP. Espero um pouco e decido por a mochila nas costas e sair à procura de outro hotel, seguindo o mapinha do Lonely Planet. Acabo me alojando no Garden Views, da agradável área do Municipal Gardens, o centro da cidade, junto ao rio.

À tarde pego um ônibus para Old Goa, a velha Goa fundada pelos portugueses no século XVI, onde há belíssimas igrejas cristãs da época, monumentos e parques com muito verde. Visito as
igrejas do Bom Jesus (foto à esquerda), onde está a urna com o corpo incorrupto de São Francisco Xavier, a de São Francisco de Assis, a capela de Catarina e a Sé. Não dá tempo para entrar no Museu Arqueológico. Passeio, converso e volto já a noite para Panaji. Perco então o horário para fazer um cruzeiro pelo rio Mandovi, num barco onde um grupo folclorico faz performances. Poderia ainda embarcar no navio Caravela, onde funciona um cassino (proibido no resto da Índia), mas não tenho interesse.


Caminhando pelo comércio, faço fotos e descubro o luxuoso Hotel Mandovi, onde funciona o restaurante RicoRico, bem sofisticado e caro para os padrões locais. O restaurante preserva a cozinha portuguesa e o gerente Evaristo e alguns garçons falam um pouco de português. O cantor da banda, FelipemFernandes, é um senhor que fala portugues fluentemente e diz que vai cantar uma lambada para mim. Depois canta uma marchinha de carnaval (Mamãe eu quero). Faco fotos. O Felipe me adverte que em Goa há “muitos bandidos” e pede cuidado na praia de Anjuna, para onde irei amanhã. Pede para eu ter cuidado com a minha maquina fotográfica. Na verdade, a violência (bem menor do que no Brasil) é maior entre os indianos de Goa, onde há mais contágio dos vicios ocidentais.Vou dormir bem alimentado e totalmente curado do resfriado.

24/01/06 - Anjuna, agito e baseados

Acordo às 8h e, após tomar café e fotografar na área, sigo para a Kabanda stand, onde pego um
ônibus para a cidade de Mapusa (apenas 5 rúpias). Lá pego outro ônibus, lotado, sufocante, para a praia de Anjuna que, junto com a vizinha Vagator, uma das preferidas de turistas europeus, principalmente mochileiros. Em 40 minutos desembarco numa área que lembra as praias da Pipa e Canoa Quebrada, porém mais pobre - os hotéis, as lojinhas, as barraquinhas com produtos artesanais, as redes, as camisetas, as bebidas e droga, muita droga que nos é oferecida abertamente. O visual da praia parece bastante com as praias do Golfinho e a do Amor, em Pipa.

Estou hospedado na Poonam Guest House, citada como uma das melhores pelo Lonely Planet Guide. É simples demais, mas aconhegante. Não há boa iluminação nas vielas de barro.Pela prmieira vez na Índia uso bermuda. Antes o frio me impedia. E onde pude fazê-lo não o fiz porque, nas cidades, bermudas e shorts não são bem vistos. Apesar de minha passagem por aqui ser obrigatória para o trabalho de reportagem (épreciso citar os points de agito), não estou gostando desse lugar. Não há espiritualidae nem paz. Sente-se os interesses comerciais em toda parte. Não é a minha India.

Estou digitando estas linhas numa lan house tranquila, parece uma exceção. Jovens atenciosos no atendimento. Mas preciso ir para o hotel, a 150 metros daqui. São 20h30, há escuridão lá fora.Amanhã farei algumas fotos e, depois, irei ate Vagator, a cerca de quatro quilômetros daqui. É um lugar onde acontecem muitas raves. Mas voltarei antes do anoitecer. Quero dormir aqui. Quero também ver o famoso mercado de pulgas daqui (market flea), na verdade uma feira onde se vende novos e usados, produtos artesanais, uma invenção dos próprios turistas no passado, que assim descolavam um dinheirinho para continuar curtindo a praia. Na quinta-feira quero sair dessa área, estragada pela presenca do turismo ocidental. A partir de Mapusa pegarei ônibus ou trem (estacao de Thirevim, a 12 quilometros da cidade) para a cidade de Puna, onde deverei alojar-me no ashram do falecido guru Osho.

Que viagem! Que surpresas!

25/01/06 - Anjuna e Vagator: a descoberta do outro lado

É sempre assim: o primeiro contato com o desconhecido sempre assusta. Depois descobre-se que o bicho não é tão feio. Ontem estava querendo sair rápido de Anjuna, pois na chegada alguns jovens me ofereceram maconha e cocaína. De fato, há muita droga na área e boa parte da turistada vem para aqui à procura dessa liberalidade. Mas isso não é Anjuna. É uma parte de Anjuna. Hoje acordei já com um certo domínio da área. Percorri as vielas, fiz fotos. Estive em hotéis melhores que o meu (o Poonam, onde eu fiquei, é uma pousada bem agradável, em meio a jardins, mas um pouco decadente. A vantagem para mim é que a TV a cabo tem o canal Aastha, de Mumbai, voltado para divulgação do hinduísmo, com seus programas recheados de mantras e imagens belissimas.

Não fui ao flea market (o mercado de pulgas, um imenso brechó, que na verdade serve também ao contrabando) que funciona as quartas-feiras a beira-mar. Preferi pegar uma van (100 rúpias) para a praia de Vagator, outra preferida dos europeus, a 4 quilômetros de Anjuna. Linda
paisagem, que também lembra a região de Pipa e Tibau do Sul. E ninguém tomando banho de mar na hora de pico dos banhistas brasileiros. Só final de tarde os indianos, que comparecem de calça e vestidos, às vezes avancam na água. Europeus ficam curtindo sol antes desse horário. Visitei o resort Sterling (também caidinho), mas bem localizado: ao pé do morro onde estão as ruínas do Forte Chapora, relíquia da presença portuguesa na região. Dessa vez não arrisquei escalar o morro. Fiz fotos das ruinas do forte a distância.

Fotografei alguns poucos personagens na praia e curti um pouco a brisa, já no final da tarde, antes de me dirigir ao Nine Bar, um lugar que os guias internacionais recomendam para ver o pôr-do-sol no mar da Arábia, pois fica em cima de morro,
num ponto privilegiado. O bar é um point de trance e tecnomusic. Muito barulho o tempo todo, jovens agitados, balaçando o pescoço numa grande arena à sombra de coqueiros. Apesar disso, na entrada, o segurança pede para que leiamos um cartaz: não se aceita câmeras, videos nem drogas. O bar, no passado, foi citado como um point de consumo de drogas. A polícia apertou o cerco. Fiquei alguns minutos. Preferi ver o por-do-sol ao lado, no refinado restaurante Alcoves (foto à direita), que fica dentro de um pequeno condomínio. Aproveitei para almoçar. E haja hot spice, pimenta.

Vagator é famosa por suas raves. Mas tanto lá, como em Anjuna, o maior movimento é no final do ano. O pessoal vem passar reveillon na área. Voltei no início da noite para Anjuna, satisfeito com o dia tranquilo e até com vontade de esticar um pouco mais minha permanência na região, apesar dos precos inflacionados pela presenca de europeus.

26/01/06 – Hare Krishna em Mapusa

Após o café da manha, mochila nas costas e um pequeno passeio pela rua principal (estrada) de Anjuna, antes de pegar o ônibus para Mapusa, onde iria tentar uma passagem de ônibus para Puna, já no estado de Maharastra, um dos mais progressistas da India. No café, um canadense solitário que havia alugado uma bicicleta (na verdade, a maioria do pessoal aluga lambretas, as Scooter italianas), pediu para sentar na minha mesa e, na conversa, disse que vira uma enorme bandeira brasileira na rua principal. Lembrei-me que também vira algo parecido chegada e decidi ir ate lá, achando que se tratava de um comércio de brasileiro. Trata-se da loja Bella Brazil, cuja dona é uma européia que não se deixou fotografar de frente: o nome Brazil é porque ela vende biquinis e sandálias brasileiras.

Consigo comprar a passagem para a Puna (360 rúpias) ao chegar à rodoviária de Mapusa, às
14h, e espero até as 19h30 para subir no ônibus semileito (aqui chamado "luxury bus") que me levaria até Goa. Aproveito para responder a emails, comer comida indiana num restaurante próximo e fotografar devotos de Krishna que, em procissão (foto ao lado), entoavam no final da tarde pelas ruas centrais o conhecido mantra Hare krishna, Hare Rama.

Por pouco não perdi o ônibus que me levaria a Mapusa. O dono de uma lanchonete na rodoviária disse que me avisaria quando o bus chegasse. Ele chegou, sem o destino visível no pára-brisa, e eu indaguei ao rapaz se era o meu onibus. Ele respondeu nao. Dez minutos depois, o ônibus ainda parado, desconfiei e fui até o motorista que me pediu para entrar imediatamente. Estava apenas esperando por mim. É possivel que o rapaz tenha pensado que eu iria embarcar num ônibus comum. Esqueci de dizer que era um Deluxe.

Ao embarcar, deixei para trás duas malas de outro rapaz que, minutos antes, me pedira para olha-las, enquanto ele iria resolver algo. Desconfiado, aceitei. Ele saiu correndo e eu imaginei: e se for uma bomba? Na Índia são comuns os atentados. Pedi que voltasse logo, ele prometeu retornar em cinco minutos e não voltou. Como tive de embarcar, só pude pedir a Deus para que ninguém levasse as suas malas. Coisas de viagem.

A viagem até Puna foi confortavel. Muito frio. Quase jejum, pois não dá para comer na estrada. Ainda assim, numa parada, tive que usar o tradicional banheiro indiano, pois o tal Pav Bahji oleoso que comera à tarde fizera efeito.

No próximo relato - etapa final: PUNA (ashram de Osho), AURANGABAD, MUMBAI, ILHA ELEFANTA E RETORNO A DELHI

[Estas anotações informais complementam a reportagem do site http://www.planetajota.jor.br/ e a reportagem especial ÍNDIA - A deusa de mil faces, da revista Viagem e Turismo, da Editora Abril]

19 maio, 2006

DIÁRIO DA ÍNDIA - Parte III: Gaya, Bodhgaya e Calcutá

12/01/06 - Rumo a Bodhgaya

Acordo bem melhor do resfriado. Estou mais disposto para seguir para Gaya e, de lá, para a pequena Bodhgaya, a cidade do Mahabodhi Templo, uma estupa erguida junto à Bodh Tree, a Árvore da Iuminação,onde o príncipe Sidarta tornou-se Buda após profunda meditação. O embarque será na estacão de Mughal Sarai , do outro lado do Ganges e a 17 quilômetros de Varanasi. É uma estacão quase limpa, com lojinhas, lanchonetes, tudo mais organizado que na estação do centro de Varanasi. Decido ir ate lá no velho Ambassador, o carro que é um símbolo da India. Pago 300 rúpias, o dobro do que pagaria num riquixá. Mas acontece um imprevisto que, como veremos, so iria me beneficiar.

Na estacao, penso que por ter chegado muito cedo, me desligo. Compro uma maçã, lavo bem, como e entro em relax num banco da plataforma. De repente, uma mulher que parece missionária americana, vem apressadamente em minha direção e diz: “Você está esperando o trem para o Gaya?” Balanco a cabeça e antes que disesse qualquer coisa, a mulher desaparece. Olho para o meu relógio e decido saber do inspetor se o trem está no horario, pois faltavam 10 minutos para a partida e ele ainda não chegara. Então, o inspetor me surpreeende respondendo que o trem já passara há 1 hora! Confiro o meu bilhete. Eu me enganara.

O inspetor, um senhor gordo, pede então que eu cruze a passarela e vá até o outro lado para obter a devolução do dinheiro da passagem e adquirir outra. Ele ajudaria colocando-me em um outro trem.Faço isso mas tenho de enfrentar três filas. Não há Bureau de Estrangeiro em Mughal Sarai. Na primeira,me devolvem o dinheiro (menos 15% de multa). Na segunda é para saber se há algum trem atrasado em direção a Gaya, a fim de eu poder levar a informação a outro guichê onde, finalmente, compraria uma nova passagem. Cometo outro erro. Levo a informaçãoo, mas não especifico que desejo um bilhete de primeira classe. O cara me vende uma para o vagão geral, pago apenas a décima parte do preço e estou satisfeito, pois quero mesmo é embarcar.

Faltando 5 minutos para o trem chegar, o inspetor reaparece com um homem portando um talãozinho e me pergunta se eu quero trocar o bilhete popular por um lugar na primeira classe. Aceito. Pago mais 400 rúpias. E o inspetor me arrebata outras 100 rupias que continuei segurando, exatamente para gratificá-lo. Depois, enquanto caminhamos para o vagão, vejo que ele discretamente divide a gorjeta com o cara do talãozinho. Ele entra comigo no trem e me instala numa cama. Um indiano nervoso que está na cabine pergunta se eu aceitaria trocar de lugar com um parente seu, que esta duas cabines atrás. Aceito. Meus companheiros agora são um casal que me olha de um jeito estranho, o homem reclama para o fiscal do trem quando vê que eu não tenho passagem comprada com antecedência e estou numa cama que ele poderia ocupar, ao lado da esposa. Mas ao longo do caminho, começamos a conversar e as coisas mudaram.

Falo sobre hinduismo. A mulher, adora. Ele se abre. Canto mantras. Isso sempre abre um sorriso nos lábios dos indianos. Descubro que são devotos de Sai Baba e eles me mostram um calendário de bolso com a foto do guru. Enfim, nos tornamos amigos. O Sr. Laksham, de 65 anos, e sua mulher de 60, me convidam para ficar em sua casa, em Puri, na próxima viagem a India. Trocamos cartões, vai me escrever. Ele foi funcionário de uma empresa Americana (fabrica aco), tem filhos e netos. Falamos sobre familia, Brasil, economia, espiritualidade. Quando o trem para em Gaya, ele gentilmente me conduz até a porta do vagão. Os indianos sãoo muito simpáticos com todos mas sinto que têm uma simpatia especial por mim. Em primeiro lugar, todos dizem que pareco indiano. O fato de ser brasileiro também desperta simpatia nas pessoas. E o fato de eu saber conversar um pouco sobre hinduismo e entoar alguns mantras deixa tudo mais facil. Estou em casa.

Na viagem a Gaya,finalmente vejo uma paisagem exuberante, após ter deixado o Norte da India (Rishikesh). A monotonia de uma planície empoeirada é quebrada pelo visual do grande rio Son. Chego em Gaya as 5h da tarde e, como aqui naã ha nada para ver, opto por descansar esta noite no Siddharta Hotel, o melhor da cidade. Guarda um luxo do passado, meio decadente, mas bem organizado, calefação, restaurante requintado, mas água quente só no balde. Noite repousante. Cidade na escuridao. Mas de 5 blecautes até eu adormecer.

13/01/06 – Sob a árvore de Buda

Estou em Bodhgaya, a 13 quilômetros de Gaya, digitando estas anotações em frente ao Mahabodi Temple, que visitei nesta tarde. Vim num riquixá apertado, improvisdado como uma pequena camioneta, movida por um motor de lambreta! Mais de 10 pessoas, como numa lata de sardinha. Insisti para trazer minha bagagem comigo e não no bagageiro inseguro. Bodhgaya é um santuário budista, venerado também pelos hinduistas, que veem Buda como uma encarnacao de Vishnu. Hoje assisti a uma linda celebração junto à Bodhy Tree, a arvore sob a qual, há 2500 anos, Buda alcancou a iluminacao. Milhares de monges (muitos jovens) sentandos em posicao de lotus, no imenso jardim, entoando o famoso mantra Om Mani Padma Hum, um grande espetáculo espiirtual.

Na entrada do templo paguei 20 rupias e aceitei os serviços de um rapaz sorridente e muito prestativo, Habi, que foi meu guia na área do templo e ajudou-me nas fotografias. Os budistas são mais harmônicos, silenciosos, seus ritos não têm a barulheira do hinduismo (lindos também). Mas os hindus estão aqui e,enquanto os monges entoavam mantras,numa solenidade de reflexão sobre a impermanência de todas as coisas,(foto abaixo, à esquerda) um grupo de hindus recitavam versos do Bagavad Gita e preparavam alimentos para serem oferecidos as deidades em memória de seus pais e avós. Fotografei tudo.Mesmo trabalhando e, portanto, com um pouco de pressa saí do templo sentindo muita paz. Paguei o dobro ao Habi ( na foto à direita, ao lado da coreana de máscara, junto à Bodhi Tree),que ainda comprou uma meia nova para mim, pois ao retornar ao guardador de sapatos (Shoes House), tinha as meias brancas totalmente pretas e enlameadas.São 22h, lá fora está escuro. Escrevo na Lan House do Shiva Hotel. O melhor da cidade. Mas não consegui apartamento aqui. Nem consegui ir ao Mosteiro de monges do Butão,como pretendia, pois precisava ganhar tempo. Queria meditar com eles. Assim, aceitei ficar numa guest house pertencente ao Hotel Shiva, as uns 1000 metros daqui. Quarto simples, agua fria (quente, só no balde) e pelo visto sem roupa de cama. Pela primeira vez tive que usar o espelhinho emprestado da Fátima. Não havia um no quarto. Há mosquito. Vou ter de inaugurar nesta noite o repelente.Amanhã retornarei a Gaya, mas não sei ainda o que fazer. Preciso descer para o Sul, mas não há trem nem avião de Gaya ou Varanasi. Preciso estudar uma solução. Voltar a Delhi e, de la tomar um trem para o Sul significa três dias viajando. Vou pensar.A India continua me impactando e me surpreendendo. Que viagem. Que aprendizado. Deus me ajude. Hare Krishna.




14/01/06 – Noite fria e a dura viagem para o leste

Comecei o dia ainda em Bodhgaya, após uma noite bem dormida no pequeno quarto da Shiva Guest House. Não tinha idéia das surpresas que viriam depois. Na noite anterior sai do Ciber Café doHotel Shiva às 21h20, quando não havia mais nenhum comércio aberto, a rua estava semideserta e não havia luz na cidade - só a da Lua, um lindo espetáculo realçando a beleza do Mahabodhi Temple. Pedi então ao gerente do hotel que providenciasse alguém para me guiar até a Guest House, pois, apesar da Lua, estava escuro. Ele próprio me conduziu até lá.

Na manhã deste sábado voltei ao Mahabodh Temple e assisti ao final das celebrações dos monges e outrpos budistas da Cagiupay Sangha, com a presenca de milhares de exilados tibetanos. O café da manhã que tomei no Shiva Hotel, não me fez bem. Mas superei o problema antes de embarcar de volta a Gaya, a bordo de um simples riquixa, lotado com 8 pessoas (o motorista sobre as coxas de dois passageiros!)

Cheguei as 13h na estação de Gaya e enfrentei uma maratona de três filas e duas horas apenas para comprar uma passagem de trem para Calcutá. Esta cidade, no extremo leste da Índia, não estava no meu roteiro, mas tive que incluí-la por falta de melhor opção para descer para o Sul. Voltar a Delhi seria pior. Tive que me contentar com uma passagem no vagão Sleeper (segunda classe), pois não havia mais bilhetes na primeira. Após obter meu ticket, passei toda a tarde dentro da estação, alimentando-me apenas de pepsi-cola e maçã. Só sai uma vez, logo retornando, pois a poeira em qualquer rua das pequenas cidades da Índia e algo infernal. Poeira e buzina. Meu trem deveria sair as 21h30. Só chegou a Gaya às 4h da madrugada seguinte.

Para mim foi uma longa noite de frio, pois as áreas semi-fechadas da estação foram logo ocupadas por passageiros, pedintes etc, que chegam em grupos e armam suas “camas” no chão, espalhando lençóis e travesseiros trazidos em um bolsa suplementar. Os atrasos são comuns e as pessoas chegam as estações equipadas para enfrenta-los.Para sorte minha, às 20h, quando voltei a Inspetoria da estação para saber se o trem estava no horário, encontrei o Gilles, um canandense de 47 anos (foto à esquerda) ,que está pela terceira vez na Índia pela terceira vez. Uma pessoa gentil, sorridente e tranquila que muito me ajudaria. Ele é professor de Yoga em Montreal, no Canadá, estava vindo de Bodhgaya com destino a Calcutá. Dessa vez sua intenção é ficar 6 meses na India. Giles costuma trabalhar 4 meses em sua cidade (complementa a renda fabricando e vendendo artesanato), junta dinheiro e depois sai pelo mundo. Seu plano atual: passar 1 e meio circulando pela India, Paquistao, Bangladesh, Irã, Tailândia, Vietnã e Europa.

O Giles me passou muitas dicas sobre os indianos, Calcutá e sobre o sul da Índia. Ele também vai visitar o ashram de Sai Baba, mas nao agora. Viaja o tempo todo de trem e, quase sempre, na segunda ou na terceira classes para economizar. Enquanto esperávamos o trem, conversamos também com um indiano que mora nos Estados Unidos. Mais dicas.Quando finalmente o trem chegou, foi grande o impacto de usar a segunda classe. Cabines mais apertadas que as da primeira classe, com seis camas em três niveis, mais tres camas laterais no corredor e total ausência de ar condicionado. Frio, muito frio na madrugada. Uma confusão, um aperto, muita gritariaI. Fiquei acomodado na terceira berth lateral, a mais alta. Tive que usar toda a saúde para, no meio do empurra-empura, colocar as mochilas lá em cima e saltar para cama suspensa, de apenas meio metro de largura e 1,5 metro de comprimento.


Ao acomodar-me, senti-me no paraíso. Lá embaixo a confusão aumentou ainda mais, pois muitos passageiros, inclusive eu e o Gilles, tomamos o vagão errado. Troca-troca enquanto o trem corre. Ainda bem que o fiscal autorizou-me a continuar na mesma berth, pois estava livre.

15/01/06 - Oh! Calcutá!

A viagem foi longa e cansativa: 12 horas até Calcutá, com o trem parando a cada meia hora. Só cochilei, encolhido. Depois, sentado, pois a bagagem não me permitia estirar as pernas. Dessa vez, só água e biscoito que comprara antes. Tenho tomado chá com chocolate oferecido nas paradas por vendededores que entram no trem. Mas na noite anterior, em Gaya, tive oportunidade de ver um vendedor preparando a bebida e achei melhor não mais arriscar. Calcultá é uma grande cidade, mas num final de tarde de domingo não era possível comprar passagem de trem para para Hyderabad, conforme roteiro que eu e o Giles planejamos no trem. E eu estava tão cansado que já decidira ficar duas noites na cidade. Como veremos no dia seguinte, mais uma vez as circunstâncias ocorrem para me beneficiar, gracas a Deus. Fizemos algumas fotos na estação. Tomamos um táxi e fomos para a área da Sudder Street, perto do Museu da India, onde há hotéis baratos e médios. É um ponto de concentração de estrangeiros, numa boa área da cidade.

Com a mochila nas costas, saimos, eu e o Giles, cotando precos. Eu queria ficar e fiquei no Capital Guest House, o primeiro que encontrei e que é recomendado pelo The Rough Guide to India. O Giles achou caro (12 reais o apartamento de solteiro) e foi para o Paragon. So nos reencontramos no dia seguinte. No Hotel tomei o melhor banho gelado de minha vida. O cansaço era enorme, a sujeira mais ainda. Aproveitei para pedir lavagem de roupa. Prometeram-me entregar amanhã à noite.

Depois disso, sai para jantar. Minutos após deixar o hotel, sou abordado por um senhor que me oferece maconha e haxixe. Dispenso-o . Seria o único a me abordar nestes termos, apesar da área atarir traficantes que vêm oferecer seus “produtos “ para jovens turistas.Jantei num restaurante na mesma rua, bem acolhedor e, ao que tudo indica de propriedade de um brâmane. Enquanto jantava, com outro estrangeiros, o garçom acendeu incensos, fez rituais para imagens de deidades penduradas na parede e, diante do oratório de Kali, usou incenso em pó e encheu a pequena sala de fumaçaa perfumada. Depois, um brâmane apareceu com uma lamparina (acesa durante os rituais nos templos) e que ao cair da tarde é levada para lugares públicos, a fim de “abençoar” devotos. Pessoas põem, a mão na chama, o brâmane faz orações e unções na testa da pessoa, entrega alguns grãos e o fiel deixa algumas rupias na bandeja. Na rua, pessoas fazem rituais num oratorio ao lado do restaurante. Comi bem e, cansado, vou dormir como um anjo.


16/01/06 – Contrastes e ciladas da metrópole

Acordei às 8h e com a intençãoo de ir direto para Bangalore, no Sul, de avião. Ir de trem seria um sufoco e iria complicar o meu roteiro. Até aqui cumpri tudo o que planejei, mas talvez tenha de cortar minha ida a Pondicherry, onde está o ashram de Aurobindo. Na saída fui abordado pelo dono do hotel. Queria saber meus planos de embarque e disse que eu poderia comprar a passagem aérea na própria agência do pequeno hotel (pertence ao filho dele, Umest). Poderia fazê-lo dentro de meia hora. Aproveitei para ir tomar café no mesmo restaurante da véspera e cotar o preco de passagens em agências vizinhas. Acabei fechando negocio com a agência do hotel, na verdade eles trabalham para uma agência maior na mesma rua. Insisti e paguei com cartão Visa (ninguém recebe o meu Diners aqui). Passagem cara, comparada ao trem (o melhor transporte tradicional na India, apesar de tudo): 130 dolares, ou 270 reais, pela Deccan Airlines, uma companhia de vôos baratos. Mas vale a pena, pois vou ganhar dois dias e poupar um pouco minhas energias.

Embarcarei amanhã as 12h40. No pacote da agência, já está incluido o carro para o aeroporto.Resolvido isto, fui ao hotel do Giles (ele havia me procurado no Capital Guest House, enquanto eu estava fora). Lá estava um bilhete seu para mim. Encontrei-o em seguida numa Lan House e resolvemos fazer o nosso próprio roteiro por Calcutá. O hotel me oferecera carro e motorista particular por 15 dólares. Fomos de metrô (que existe aqui é limpo, mas não pode ser fotografado) ao templo de Kali ( a deusa que vela pela cidade. Calcuta quer dizer Templo de Kali), onde uma multidão formava fila para entrar num lugar supreendente. Trata-se do mais antigo templo de Kali do país Se não estou enganado, o lugar surpreendeu Gandhi, que ficou chocado e entristecido ao ver o volume de sangue de animais sacrificados à porta. Os sacrifícios de cabras continuam, mas a maioria das pessoas leva oferendas de guirlandas e comidas, inclusive côcos, cuja água e deramada à porta do templo.


Encontramos um cara que nos apresentou a um brâmane (talvez ,falso brâmane) que,rapidinho nos levou ao interior do templo, furando a fila. Fez orações, nos deu incensos e rosas para oferendas. Deixamos os sapatos numa lojinha. Na volta tive que jogar as meias enlameadas na rua. No final, o tal brâmane queria uma doação de pelo menos 2000 rupias para o templo. Dei 500 (uns 25 reais), a contragosto. E fiz algumas fotos numa área onde fiéis se banham num tanque de águas dos rios sagrados (suja !). Dentro dos templos hinduístas nunca se pode fotografar. Depois disso fui visitar a instituicao das Missionárias da Caridade, de Madre Teresa de Calcutá (foto à esquerda), ao lado do templo de Kali. Estava fechada, em horário de almoço. Fotografei por fora, incluindo a multidão de pobres que continua a ser amparada pela instituição.

Voltamos ao metrô e fomos para o Memorial Victoria (foto à direita) , um lindo palácio imperial, do tempo dos ingleses, fechado nesta segunda-feira. Mesmo assim, havia uma fila enorme de pessoas comprando ingressos apenas para passear nos jardins. Preferi dar uma volta de carruagem no parque em frente. As fotos contra o sol não ficaram boas. Já no final do tarde, fomos a um bom restaurante, na área do Parque Elliot, comemos comida israelense (ou seria grega?) - chamada pita. Fui rapidamente a uma das boas livrarias e a uma casa de Cds e DVds e voltei para a área do meu hotel.Calcuta e uma cidade enorme. Tem aparência ocidental na área central, mas o toque indiano está na pobreza da periferia, nas pessoas andando até mesmo nuas nas ruas, no trânsito caótico, feito por luxuosos automoveis Ambassador (a frota amarela de taxis e imensa), ônibus e bondes caindo de velhos. No centro, nenhum autoriquixas. Em compensação, há riquixas com tração humana. Isto mesmo: carruagens puxadas por homens muito pobres, uma caracterista única da cidade.

Enquanto escrevia estas anotações, ouvi vozes de dois rapazes, falando em português. Eram jogadores de futebol, cariocas, ex-Figueirense de Santa Catarina, que estão jogando em Goa (no time Salgoa Cars). Fiz entrevista com o Bruno, um deles. Estão em Calcutá para uma partida. O esporte nacional aqui e o Criquet. Mas o futebol é paixão também em Calcuta e Goa. O Bruno, de 23 anos, está chocado com a vida aqui. Fala diariamente com o Brasil, às vezes durante 5 horas. Seu amigo estava à procura de alguma droga. Daqui a pouco a Lan House vai fechar. Sâo 21h15. O canadense Gilles ,que foi ao seu hotel, já retornou. Vamos jantar. Amanhã certamente terei novas surpresas.

[No próximo relato, Bangalore, Puttaparthi (ashram de Sai Baba) e Goa. Para ler os registros sobre Delhi, Rishikesh, Agra, Fatehpur Sikri e Varanasi consulte as Notas do Arquivo]
[Estas anotações informais complementam a reportagem do site www.planetajota.jor.br ]

03 maio, 2006

Diário da Índia – Parte II: Agra, Fatehpur Sikri e a cidade sagrada de Varanasi

07/01/06 – No tumulto de Agra
O riquixá chega no horário e estaciona à porta do ashram Okaranamda Saddam, em Rishikesh. O garoto da recepção, interrompe o seu sono, sobre o mármore frio, para avisar-me. Acordei as 4h30 da manhã e viajo sem banho, pois não tive coragem de enfrentar a água gelada numa noite de temperatura em torno de zero grau. Despeço-me, emocionado, da linda paisagem do Ganges ainda refletindo na escuridão as luzes do altar de Rama, Sita e Hanumam e o ghat majestoso do ashram Parmath na outra margem. Chego a estação ferroviária de Haridwar bem antes do horário da partida do trem que me levará a Agra. Espero, espero. Frio demais, talvez abaixo de zero, não há termômetro na estação. Comprei bilhete da primeira classe, mesmo assim o trem é antigo, com cabines dotadas de cama. Fico com outras três pessoas. Uma delas a médica Hinco, da cidade de Dehra Dun, no Utaranchal, que segue para Agra com a filha Burbul, de 3 anos.
Hinco , especializada em terapia intensiva, é da nova geração de mulheres indianas. Usa calça comprida em vez do sari, toma (muita) Pepsicola e viaja lendo a revista Femina, que lembra uma revista feminina ocidental. Nas matérias, muita moda do ocidente, uma reportagem sobre as mulheres brasileiras e seus corpos avantajados, mas também receitas de comida.
Converso com Hinco, deitado. Estou cansado. Ela ri quando digo que meu inglês é mais precário que o de sua filhinha. Depois a conversa se amplia com a participaçãoo de um rapaz, timido, que é sargento do Exercito indiano. Umm dia de jejum. No trem para Agra, ao contrário do que me levou de Delhi para Rishikeshi, nada serviram e eu fiquei com receio de comer as panquecas oferecidas por vendedores que entram no trem nas inúmeras paradas. Só tomo chá e leite com chocolate.O trem é muito lento e atrasa quase 4 horas num percurso de pouco mais de 400 quilômetros.
Na descida em Agra, um horror. Sou cercado por vendedores e cambistas que a todo custo querem me levar para algum hotel. No tumulto, encontro duas estudantes sul-coreanas, Kim e Won (acho que com menos de 20 anos de idade), que aparecem na foto acima. Elas estão apavaradas com o cerco e se juntam a mim. Falam menos inglês que eu. Vamos ao guichê de informacões, telefonamos para o hotel Sheela, que fica a 200 metros do Taj Mahal e a 15 quilômetros da estação ferroviária. Ninguém atende. Os cambistas dizem que está lotado. Decidimos correr o risco e ir ate lá. Alugamos um auto-riquixá prepago por 62 rúpias e nos lançamos a aventura pelas ruas escuras. No riquixá cabem dois. Sentamos os três com as respectivas mochilas e acessórios no colo. Só nossas cabeças de fora. Um frio de cortar. A pequena carruagem é aberta.
Somos bem recebidos no hotel mas, como não temos reserva, o recepcionista diz que vai conseguir dois apartamentos nos fundos por apenas uma noite. No dia seguinte teremos de mudar de hotel, de preferência para o Sheela Inn, da mesma empresa. Almoço então às 8h da noite, dividindo a mesa com uma jovem alemã que viaja sozinha pela Índia. Ela me passa algumas informações. Telefono para minha casa e para a dos meus pais. Estou exausto. E no banheiro, apesar da promesa de água quente, o banho em balde era frio!
08/01/06 – O esplendor do Taj Mahal
É sábado e acordo com um princípio de resfriado (coisa rara de acontecer comigo). Enfrentei muito frio na madrugada. Aqui no interior da Índia é difícil encontrar chocolate em barra. Estava sem nenhum recurso, tremi demais na madruga, não dormi satisfatoriamente. Faço fotos com as coreanas. Após tomar um café da cafe da manhã reforçado, na companhia da jovem alemã, mudo de hotel. Vou para o Sheela Inn, hotelzinho novo, porém, mais distante do Taj Mahal. Depois, driblando o cerco agressivo de vendedores, vou direto a entrada mais próxima do Taj. O palácio - na verdade o túmulo de uma rainha, construído pelo imperador Shah Jahan, no século XVII. É uma homenagem do imperador muçulmano a sua esposa mais querida, Mumtaz Mahal, que morreu durante o parto de seu 14º filho, em 1631. Mereceu o título de uma das 7 maravilhas do mundo, que ostentou por muito tempo.
Há um conjunto de edifícios na área do Taj Mahal, todos muito lindos e expressando a arte persa. No sol quente, agasalhado, o calor é intenso. Não consigo regular a câmera fotográfica Canon profissional. O sol intenso sobre o Taj Mahal estoura tudo. Minha maquininha Fuji Fine Pix entra em açãoo. Reencontro lá as meninas coreanas, que decidiram ir para outro hotel, mais barato. Elas são muito simpaticas. Estou sem energia, cansado. A visita aqui pode durar até um dia.
No meio da tarde vou ao Agra Fort (foto à direita), outro monumento junto ao rio Yamuna, onde o imperador que construiu o Taj foi aprisionado depois. Não entro. Teria que pagar mais 250 rúpias, eu ja pagara 750 no Taj e estava muito cansado. Faco fotos no átrio da recepcao e por fora. Ao tentar voltar ao Taj Mahal, reencontro as coreanas, mas agora eu estou no meio de uma discussão com um motorista de riquixá. Pedira para ele me levar de volta ao Taj (eu combinara com o oficial de segurança que voltaria para complementar minhas fotos no pôr-do-sol, com a máquina Canon) e quando o rapaz tomou outro rumo eu saltei da carruagem e desisti.
Acabei indo em outro riquixá, mesmo assim o motorista parou várias vezes no caminho para tentar me convencer a ir a lojas. Depois me disse que ganha comissão, que precisa disso para viver melhor, me pediu ate o casaco de frio. Expliquei a minha situação e exigi que me levasse até a entrada do Taj Mahal.Nesta tarde foi dificil lidar com os cambistas. Eles estavam demais. Agra tem monumentos incríveis, mas é um lugar onde o turista é infernizado o tempo todo.
Amanhã irei a Fatehpur Sikri , a cidade que foi construida para ser a sede do império mugal na India, situada a 46 quilômetros daqui. Depois quero repousar, pois às 7h da noite embarcarei para Varanasi, outra cidade sagrada do hindus, e a viagem de trem devera durar no mínimo 15 horas. Quero sair de Agra. Este lugar, preferido pelos turistas, não faz o meu gênero. Vou para o Hotel Sheela Inn, para onde mudei hoje, e quero um big jantar.

09/01/06 - Fatehpur, a cidade-fantasma
Na Índia é preciso confiar. Na noite anterior, ao sair de uma Lan House junto ao Taj Mahal, onde digitei meus emails, era mais de 21h e já não havia mais lojas abertas nem riquixás para me levar até o hotel Sheela Inn. Frio, nevoa e escuridão na avenida. Fui até a rua ao lado e encontrei uma outra Lan House, que é também agência de turismo, aberta e sem nenhum cliente. Em frente, alguns funcionários jogavam voleibol. Perguntei se não havia mais riquixás. Vijay, um rapaz que é o dono do negócio, disse que não, mas se ofereceu para levar-me até o hotel. “Fique aqui. Vou pegar o meu carro”, disse. Tive receio, mas não havia alternativa melhor. Entrei no carro e ele foi fazendo perguntas sobre o meu roteiro no dia seguinte. Acabei fechando negócio com ele para me levar a cidade imperial de Fathepur Sikri. Fiz isso mais por gratidão pelo favor que ele estava me prestando.Valeu a pena.
Hoje fui às ruinas de Fatehpur Sikri, no conforto de um automóvel. Se fosse de riquixá certamente teria piorado do resfriado, pois em todo lugar há poeira demais. Em Fatehpur acabei contratando um guia local, que me falou sobre a mesquita, o túmulo sheik Salim Chishti, sobre o palacio real, etc. O rapaz ainda me ajudou a fazer fotos. A Fatehpur histórica é uma cidade-fantasma. Foi habitada durante apenas 20 anos. Uma seca longa, que acabou com a água na região, tornou-a inóspita demais. Mas hoje é um local importante para os muçulmanos da Índia. Sua linda mesquita, mesmo desativada, atrai fiéis, inclusive sufis.
Ao longo do caminho de Agra a Fatehpur encontrei inúmeros lingam (insígnia ou pênis) de Shiva na entrada dos campos, nas vilas. Esse é um dos principais ícones de adoração na Índia. Na volta, acertei com o Vijay para levar-me a noite a estação ferroviária de Idghar-Agra (fora da cidade), onde tomaria o trem para Varanasi. A tarde fotografei meninos jogando cricket (o esporte nacional aqui), almocei na cobertura do hotel e, de lá, fotografei a cidade, o Taj Mahal e o vizinho megahotel Oberoi, enorme e luxuoso (200 dólares a diária, caríssimo para o padrão indiano), erguido no meio de casas humildes, numa rua sem pavimento.
Cheguei cedo a Idghar e esperei o trem por três horas no maior frio. Idghar é uma pequena estação, um galpão aberto, com alguns bancos sujos, paredes escarradas, como muitas estações na Índia. Nesse período de espera houve dois blecautes (falta luz dezenas de vezes durante o dia nas cidades indianas, todo hotel ou loja tem seu gerador). Escuridao quase total na estação. Aparece um mochileiro russo que inicia conversa comigo. Um rapaz de 25 anos, funcionário do servico de meteorologia de uma cidade próxima a Moscou. Chega com sua garrafinha de uisque na mão. Falamos sobre Rússia e Brasil, ele insiste para que eu tome sua bebida para superar o frio, mas não aceito. Aliviei a tremendeira com um chocolate que havia guardado na mochilinha. Depois chega um casal de jovens russos e o rapaz começa a se comunicar em sua língua nativa. Nos separamos quando o trem chegou.

A viagem para Varanasi foi solitária. Dessa vez me colocaram numa berth (cama de trem) lateral. Durante todo o tempo só bebi água mineral e comi biscoitos. O trem atrasou 5 horas. Em vez de 9 da manhã, chegou a Varanasi às 14h.
10/01/06 – Na cidade sagrada de Shiva
Na chegada a Varanasi, o cerco dos touts (vendedores) foi agressivo. Fui direto à sala de atendimento a estrangeiros, onde enfrentei uma fila para trocar a data de minha viagem para Gaya. Gripado, queria ficar um pouco mais para descansar num bom hotel. Marquei para o dia 12. Enquanto estava na sala, dois vendedores que me seguiram desde o momento emque piseina plataforma da estação, abriram a porta para ver se eu ainda estava lá. A impressão que a gente tem é se trata de um assalto iminente, mas é só gente pobre querendo ganhar uma pequena comissão. Vou então ao Centro de Informacões Turísticas, peço informações sobre preço de riquixa até o Hotel Surya ( foto à direita) e volto à batalha com os vendedores. Insisto que quero um riquixa pré-pago. O vendedor que me abordou na porta do trem me leva até um e vai comigo até o hotel. Um rapaz tímido, bem humilde, mas insistente. Dou uma gorjeta no final.
Na saida da estação central, uma cena impressionante. Milhares de pessoas sentadas no pátio da estação. Muitos peregrinos que vem a Varansai para cumprir obrigações religiosas. Varanasi é uma das cidades sagradas do hinduísmo. Teria sido fundada por Shiva, um dos integrantes da trindade divina do hinduismo. Vem peregrino de toda parte, muitos apenas para morrer aqui, pois acreditam que morrer em Varanasi os livra da roda das encarnações. Varanasi (3 milhões de habitantes!) é empoeirada, confusa, uma loucura para os olhos ocidentais, mas a religiosidade está em cada esquina nos milhares de santuários de rua, que os hindus chamam de templo independentemente do tamanho.
O Surya é um hotel elegante e confortável (umas 3-4 estrelas no Brasil), tem um jardim central muito bonito, apartamentos com um certo luxo e com água quente a toda hora (uma raridade na Índia), além de um restaurante requintado instalado num antigo palacete que pertenceu ao rei do Nepal. Como me sentia fraco, resolvi burlar minha dieta vegetariana (na India, a comida vegetariana é básica, mas é fraca, sem soja). Comi um prato com pedacos de frango. Não tinha hot spice (molho picante). Pois bem, na madrugada tive diarréia. Acho que o molho picante protege contra bactérias.
Tudo aqui, no hotel, é um pouco mais caro do que lá fora. Internet, lanches. Mesmo assim, a parada no Surya tem sido boa e repousante. Queria assistir a um Kirtan noturno (das 20h a meia noite) no templo de Hanumam, mas o recepcionista do hotel desaconselhou-me, pois já eram 23h e a cidade está escura com o blecaute.
11/01/06 - Os rituais nos ghats de Varanasi
Acordo cedo, às 5h. Comprara um bilhete para um passeio guiado à Old Varanasi (Varanasi antiga), incluindo um trajeto de barco no rio Ganges (ao longo dos ghats, as escadarias onde os devotos se concentram) e uma visita à Universidade Hindu e templo de Durga. Encontro, ainda na escuridão da madrugada, um casal da Nova Zelândia que eu vira rapidamente no trem (Dougal e Sonya McGowen), juntamente com um casal de holandeses (Tomas Simons e Martha), todos jovens mochileiros (na foto à esquerda estamos no café Bread of Life, os neozelandeses ao meu lado). Eles se aquecem em torno de uma pirâmide de fogo junto com funcionários do hotel. Aqui o fogo está presente em tudo, nas cerimônias dos templos e nas portas de casas.

Saímos, os cinco, numa pequena Van em direção à Old Varanasi, o motorista falando um inglês pausado e claro, explicando a origem da cidade, seus diferentes nomes (Kashi para os hindus, Benares para os muculmanos que dominaram a regiao_ e Varanasi, nome que é a reuniao de Varuna e Asi, duas rios). Fala sobre Shiva, sobre a purificaçãoo nas águas sagradas do Ganges (Ganga, em sânscrito, nomeia o rio, que é também deusa), sobre as cremações de cadáveres para que o fogo purifique as almas e as impulsione ao nirvana. Descemos da Van e adentramos a Varanasi antiga caminhando por vielas mais estreitas que as da medina de Fès, no Marrocos, sujas, enlameadas. Chegamos a um ghat, descemos a escadaria e passamos a um barco, onde o barqueiro passa a ser o nosso novo guia.

Percorremos o Ganges na alvorada, ao longo dos muitos ghats, o barqueiro explicando explicando sobre cada um deles (o mais importante e o Dashaswamedh), sobre os templos e os palácios edificados por antigos marajás, hoje sujos e abandonados. Há uma pequena multidão de pobres, muito pobres, devotos já se banhando nas águas poluídas desse trecho do Ganges. Ali se escova os dentes, se bebe a água. Fotografo tudo. Os meus amigos de passeio me ajudam. Mas tenho de guardar a máquina quando chego ao primeiro ghat de cremacao. Ja há corpo sendo queimado. E proibido fotografar nos templos e nesses ghats. Fotografo o lindo nascer do sol no Ganges, um momento especial para turistas e para fiéis.
Voltamos à van e vamos em direção à Universidade Hindu e ao templo de Durga (dentro da Universidade), agora na companhia de outro guia, um cara inteligente e versado em hindusimo. É o primeiro guia que desce a detalhes da filosofia veda, aprendo sobre o significado do mantra Om, sobre o tridente de Shiva (que aparece em todos os templos), sobre a unidade na diversidade. No final, só eu dou uma gorjeta para o guia. Os neozelandezes e holandeses, não. Acho que ele deu uma pequena aula de hinduismo, mas só eu estava interessado no assunto.Tomas e Dougal dizem que não querem voltar para o hotel. Vão conhecer a cidade velha, caminhando. Fico com eles. A van nos deixa no “Bread Of Life”, um café requintado em meio à sujeira da cidade antiga, onde tomamos café da manha. Durante o café descubro que a mulher do Tomas é colombiana, radicada há muitos anos na Holanda, e converso um pouco com ela em portunhol.

Depois, seguindo apenas os mapas de nossos guias (Lonely Planet e o meu The Tough Guide to India), nos aventuramos por um passeio, inicialmente pelos ghats. Visitamos os principais, conversarmos com as pessoas, fiz mais fotos e assistimos a duas cerimônias de cremacao. É chocante. O corpo é colocado na grande fogueira e na medida que vai virando cinzas, é virado como um churrasco. Os familiares, só os homens, são mantidos à distância. As mulheres ficam em casa para não perturbarem a cerimônia com o choro. Há muitas vacas no local. A cremação é um procedimento de purifificação. Só homens comuns são cremados junto ao Ganges. Os sadhus (homens santos,que vivem mendigando ou habitam cavernas) não são cremados. São simplesmente atirados ao Ganges. Eles não precisam ser cremados. Os sadhus já vivem com Shiva, diz um indiano para mim. Sempre encontramos essas pessoas simpáticas que nos explicam tudo sobre a cremação e , no final, pedem algumas rúpias para comprar madeira para as fogueiras. Vemos um cadáver boiando no rio. Penso que é gente, mas é uma vaca. Pertinho, devotos tomam banho.
Na cidade velha, creio, escalamos, em cerca de duas horas, mais de 1 000 degraus. A Faáima não resistiria. Também nos ghats encontro e fotografo os famosos limpadores de orelhas, que me oferecem os seus serviços. Há iogues e falsos iogues chamando para sessões de meditação e yoga e terapeutas ayuvérdicos querendo a todo custo fazer uma massagem no turista ali mesmo (alguns aceitam). Para tomar refrigerante no alto de um palácio antigo, mais cinco andares a pé. Depois nos perdermos nas vielas, à procura do Templo Dourado, que fica junto a uma mesquita, no centro da cidade antiga, por sua vez guarnecida por dezenas de policiais. É que a mesquita foi construida no lugar de um antigo templo hindu, durante o domínio muculmano, e há sempre a ameaça de hindus fanáticos de destrui-la. Revezamos a entrada no templo. E preciso deixar fora a nossas mochilas, câmeras e celulares. Estrangeiros só podem ter acesso ao pátiodo templo. O interior, só hinduístas indianos.
Percorrendo as vielas da Old Varanasi vemos como na Índia os tempos se interligam e convivem. Naqueles becos tumultuados há um retrato vivo da vida há centenas de séculos, um comercio esfuziante e a presenca da Internet e dos telefones high-tech que aqui encontramos em toda esquina. Na ruela estreita passam pessoas, vacas, motos, lambretas, quase que por milagre. E numa das portinhas vi a entrada para um curral de vacas leiteiras, bastante gordas. Isso mesmo. Um curral no meio daquela confusão, com as vacas entrando e saindo por um portinha estreita e humilde.Cansados, decidimos voltar ao hotel às 13h. Tomamos um riquixá por 60 rúpias. Acertamos que eu e os holandeses iriamos em um riquixá e os neozelandeses em outro. No final. Fomos os cinco no mesmo riquixá, com os neozelandseses pendurados ao lado do motorista. Ainda assim, não batemos o recorde. No caminho, encontramos outro riquixá com umas oito pessoas dentro (num espaco onde só cabem 3 e o motorista).
Desisto de ir a Sarnath, onde Buda fez seu primeiro discurso (sobre a Roda do Samsara). Teria mais rodar mais 17 quilômetros, o que na India é bastante cansativo. Dedico a tarde e a noite a descansar, me alimentar e preparar-me para a viagem a Gaya, no dia seguinte.

[No próximo relato, Gaya, Bodhgya e a árvore da iluminação de Buda, e Calcutá. Para ler o registro sobre Delhi e Rishikesh, consulte as Notas do Arquivo de Abril]
[Estas anotações informais complementam a reportagem do site
www.planetajota.jor.br e a edição especial ÍNDIA - A deusa de mil faces, da revista Viagem e Turismo, da Editora Abril]