Blog do JM

24 agosto, 2006

DIÁRIO DA ÍNDIA - Parte V (última): Puna, Aurangabad, Ellora, Mumbai e Delhi

27/01/06 - Em Puna, à sombra de Osho

Chegamos a Puna após 11 horas de viagem. Ainda escuro, apesar das 6h30 da manhã desta sexta-feira. Sigo para o hotel Gulmohr, antigo, mas recomendado pelo The Rough Guide to India. Durmo até às 13h quando, então, sou acordado por um telefonema do gerente e, depois, batidas insistentes do officeboy. É preciso xerocopiar o passaporte, norma local. Aproveito para sair, comer algo num bom restaurante - o do Hotel Samrajaya, perto daqui. Depois, sigo para o Osho International Centre (foto ao lado), o ashram do falecido guru Osho.

A Osho International não é uma entidade religiosa. É uma grande empresa que administra os livros e os negócios deixados pelo polêmico guru, que ganhou fama nos Estados Unidos, conquistando a adesão de iupies na década de 80. Aqui tudo eépago. O tour para quem quer conhecer superficialmente o lugar custa 10 rúpias e não passa de uma visita aos jardins e uma sessão de vídeo. Para ficar no ashram é preciso pagar 1260 rúpias (20 dólares) no primeiro dia e 328 rúpias no segundo. Ou 1600 rúpias por cinco dias. E ainda adquirir, em lojinhas ou camelôs próximo ao ashram, dois robes - um cor de vinho e outro branco para os eventos do dia e da noite. Tudo isso não inclui hospedagem, pernoite, que custa 60 dólares. Os cursos são pagos à parte.

Talvez amanhã eu arrisque o dia aqui, pois preciso conhecer como essas estrutura. De qualquer modo, já comprei uma passagem de ônibus (luxo,com ar) para Aurangabad, a cinco horas daqui. Viajarei às 6h30 do domingo. Lá vou me virar para chegar às cavernas de Ellora ou Ajanta, onde há santuários budistas e hinduístas do século XIII.Discretamente ainda deu para fazer, nesta tarde, algumas fotos nas áreas abertas do ashram do Osho - tudo muito elegante, ao estilo de um bom resort ocidental. Depois, fui à German Bakery, um point da moçada que vem ao ashram, onde se come lanches saborosos e bem feitos, principalmente sucos e tortas.

Neste momento, estou encerrando quase duas horas de digitacao em um Internet Centre perto do Hotel. Aqui tem luz, mas lá fora é um breu total. Nesse curto período já tivemos três blecautes na cidade. Vou aproveitar as luzes dos riquixás (ainda é cedo, 19h45, para chegar a um restaurante na vizinhanca do hotel, a uns 300 metros daqui.) Nessas ocasiões, a minha microlaterninha também ajuda.

28/01/06 – Puna: um ashram high-tech que é uma festa!

Na manhã deste sábado voltei ao ashram do Osho. Lá chegando, segui o roteiro previsto para qualquer pessoa: paguei a taxa de 250 rúpias e fiz o teste de AIDS, que e obrigatório para todos os que desejam passar o dia ou se hospedar no ashram. Na recepção é tudo high-tech. Recebemos um aparelhinho com vibrador e um código: um toque, compareça ao balcão de atendentes; dois toques, compareça à clínica para o teste de Aids; três toques, vá a outra clinica para um segundo teste de Aids.

Quando fui chamado ao balcão de atendentes, esbarrei num problema: eu pretendia passar apenas um dia no ashram e o mínimo possível são dois dias (no segundo dia, paga-se uma taxa de 380 rúpias). Já havia até assinado os papéis - na verdade a assinatura é eletronica sobre uma tela. Não há papelada aqui. Insisti com a atendente, ela respondeu que era norma. Informei então que era jornalista, falei sobre minha missão. Depois de alguns segundos, ela deixou de falar em inglês e disse em espanhol que tentaria me ajudar por que eu sou brasileiro e ela, uma mexicana, é casada com um brasileiro.

Sandra, esse o nome da atendente, sugeriu que eu conversasse com a gerente do ashram e explicasse minha situação com o "jeitinho brasileiro". Ela riu e disse qu eos mexicanos também têm o seu “jeitinho”. Foi o que fiz e prontamente a gerente autorizou minha entrada e telefonou para a editora-chefe da revista do ashram, a Osho Times, jornalista Amir Saddhana (na foto à direita, comigo), pedindo para me dar assistência total, pois eu era representante de uma importante revista brasileira.

Esperei na recepção e, nesse período, fui chamado para ajudar duas brasileiras que queriam informações sobre o ashram , mas não sabiam nada de inglês. Eram duas mulheres de Santa Catarina que eu não sei como conseguiram chegar até aqui (talvez tenham se desgarrado de algum grupo). Minutos depois chegou o Samril, da área de Relacoes Públicas, que me acompanharia por todo o dia. Depois a Sadhanna, que me acompanhou no almoço e à noite. Até me devolveram o pagamento da inscrição, considerando-me convidado. Mas fiz questao de reembolsar as despesas com refeições, pagas com os créditos deles.

O ashram do Osho, o polêmico guru que morreu na década de 80, é um imenso resort, com caracteristicas ocidentais, onde há pelo menos duas celebrações durante o dia - isto é, festas, com pessoas cantando, pulando, rodopiando. As técnicas de meditação mais usadas são as dinâmicas. Não há nenhuma atividade devocional e algumas práticas incluem gritos primais, movimentos bruscos do corpo, gargalhadas... Além disso, há atendimento pessoal com massagens, I Ching, cromoterapia, astrologia, etc - tudo muito bem pago, apesar de barato, considerando a conversão em dólar. Os preços, inclusive os da excelente alimentação nos três restaurantes do ashram, estão acima dos precos lá de fora.

É um lugar muito bom para ocidentais estressados e compulsivos – é muita gente fumando, outros nervosinhos andando para lá e para cá - mas não é a minha praia espiritual. Para participar das atividades do ashram comprei, numa barraca de rua, o robe cor de vinho. Passei o dia vestido com ele. Para participar do Evening Meeting, o grande evento da noite, o Samril emprestou-me um robe branco. Nessa ocasião, todos se reúnem no grande auditório, numprédio em forma de pirâmide, e as atividades começam com música e balanço. Continua com a palavra do Osho, em vídeo, seguindo-se uma meditacao também guiada por ele, através de um audio. Oscila-se da gargalhada ao silêncio.

Saddhana e Samril convidaram-me para o jantar. Mas decidi voltar mais cedo para o hotel, pois teria de acordar às 5h, a fim de embarcar para Aurangabad. No intervalo para o lanche, o Samril escreveu em meu bloco de anotações, em inglês, que era muito agradável me receber no ashram. Ao contrário de muita gente talentosa que aparece por lá (jornalistas) , eu era simples e sem arrogância. Fiz várias fotos. Encontrei uma brasileira de Salvador, a psicologa Juliana, que esta há três meses no ashram fazendo cursos, mas não tivemos tempo de conversar o suficiente.

Na volta para o hotel, o motorista do riquixá perdeu-se no trânsito tumultuado. Pede dicas a outros taxistas no idioma local. No final, decido ficar na rua da estação de trem, ao lado da do hotel. Ele me pede desculpas e diz: eu só sei falar ingleê um pouquinho. Ainda há tempo para jantar num restaurante próximo onde me tornei muito querido, certamente por causa das caixinhas gordas que dou (menos de meio dolar, 20 rúpias, o que é raro em restaurantes populares).

29/01/06 – Aurangabad e Ellora: rumo aos templos das cavernas

Acordo cedo, pago o Hotel Gulmohr e espero o ônibus chegar junto à porta de uma agência de turismo em frente ao hotel. A viagem é solitária, mas em Aurangabad me junto a um casal de mochileiros ingleses, pois não entendemos o que disse o cobrador no idioma local (marata) e perdemos a chance de descer na Bus Stand, que na verdade é apenas um acostamento próximo à estação de trem.

Os ingleses aceitam minha sugestão de "rachar" o riquixá e ir até o Hotel Classic, que eu escolhera pelo The Rough Guide to India. Apesar de nossas mochilas volumosas vamos os três no mesmo riquixá. O garoto inglês consegue baixar o preço de 100 para 50 rúpias, quase no grito. É incrível como os mochileiros e os europeus em geral pechicham e fazem questão de centavos. Nesses dias aqui nunca vi mochileiros dando gorjetas e poucos europeus o fazem. Mas a verdade é que os indianos às vezes dobram o preço dos servicos quando percebe que o cliente é estrangeiro.A garota inglesa desce antes e pergunta o preço do hotel. Volta dizendo que eles irão para outro lugar.

Aceito pagar as 800 rúpias por dia. O Classic é um bom hotel, limpo, confortável, pessoal atencioso e simpático e sua agência de turismo promove passeios às cavernas de Ellora, para onde irei amanhã. Estou cansado, mas ainda dou uma volta pela cidade, vejo o movimento no cinema local (Goldie, ao lado do hotel), inspiro a poeira densa na area da estação. O barulho aqui é tambem infernal. Paro numa lanchonete, como e converso com o pessoal, muito gentil. Na chegada sou disputado por dois pequenos garçons de lanchonetes diferentes. Depois vou ao "I Way" acessar a Internet. Muito sono. Durmo pesado.

30/01/06 – Rumo a Ellora e muito mais

Acordo já quase na hora em que o ônibus vira buscar-me no hotel para a excursão às cavernas de Ellora. Trata-se de um programa bem maior: além dos templos-cavernas, escavados na rocha a partir do século IX (e onde estão fantasticos santuários budistas e hinduístas), o passeio inclui visitas ao Forte Daulatabad (foto à direita), marco das invasões islâmicas, ao templo de Grishneshwar (um templo dedicado ao lingam de Shiva e em cujo interior é preciso tirar a camisa para o oratório e participar do darsham), a tumba do imperdador Aurangzeb (espécie de santuário muculmuano), a Panchakki (um sistema medieval de provimento de água a antiga cidade) e a Bibi-ka-Maqbara, um clone quase perfeito do Taj Mahal de Agra, construído no século XVII pelo principe Azam Shah, em memória de sua mãe, sepultada no centro do palácio.

As cavernas de Ellora são 34 (há outras dezenas em Ajanta, mas não irei lá). Visitamos as cinco principais. Apesar da ação do tempo e do vandalismo de invasores etc, as relíquias que lá estão são de uma beleza rara. Buda e deidades hindus exuberantes, além de painéis em pedra com detalhes riquisssimos e também pinturas, cujos vestigios mostram que os monges budistas mandavam os artistas produzirem quadros semi-eróticos a fim de testarem seu auto-controle.

O templo de Shiva (caverna 16, foto abaixo à esquerda) é um espetáculo à parte. O Buda da caverna 10 é uma obra de arte incrível (foto abaixo, à direita). Ao lado há deidades hinduistas, o que prova que, com o declinio do Budismo na região, os hinduístas utilizaram a mesma caverna e a adaptaram aos seus rituais.
Somos guiados por um rapaz chamado Tanvir, que me ajudou. Conversei também como um senhor alemão, muito íntimo de um jovem indiano, que me deu informações a partir de seu guia Lonely Planet em alemão. Conversas rápidas, coisas de turistas.

Fiquei preocupado com uma americana de Nova York que, ao que parece, viajava sozinha. Ela tirou algumas fotos minhas, a meu pedido. Na penúltima etapa do programa (a visita a Bibi-ka-Maqbara), encontrei-a sozinha ainda dentro do palácio, quando todos estavam retornando ao ônibus. Perguntei se queria que eu tirasse alguma foto para ela. Disse não. Se não entendi mal, acho que me pediu para avisar ao guia que ela estava indo (e saiu rapidamente em direção ao jardim lateral do palácio). Não compareceu ao embarque. Quando o ônibus já estava em movimento, avisei ao guia Tanvir sobre sua ausência. Ele desceu para procurá-la. Não a encontrou. E o ônibus seguiu viagem, deixando-a para trás, no fim de tarde.

Terei de ficar mais um dia aqui em Arangabad. Não queria, pois não há mais nada a fazer aqui. Mas o ônibus em que viajarei para Mumbai só partirá àss 11h15 da noite de amanhã. Aproveitarei para dormir mais e, talvez, ir a algum templo hinduista (aqui o movimento é quase ocidental, não há muitos sinais de religiosidade). Poucos acreditavam que eu iria conseguir cumprir o programa que organizei, devido as complicações da India. Não so cumprirei,como inclui duas cidades que não estavam previstas (e exclui uma que estava programada). E, se nao acontecer nenhum imprevisto a partir de agora, ainda terei tempo para descansar ou cumprir um programa leve durante uns quatro dias em Delhi, antes de embarcar para Frankfurt - e,de la, para o Brasil.

Ah! maravilha: nesta noite, até agora (21h10), não faltou luz!

31/01/06 – A caminho de Mumbai

Desde a minha chegada à Índia, há um mes, este é o primeiro dia sem, realmente, nada fazer. Como o ônibus para Mumbai sai quase à meia-noite, pude dormir um pouco mais, tirar parte do cansaco fisico acumulado. Sai do quarto às 13h. Sol escaldante. Fui à procura de um lugar para tomar o café da manhã. Parei numa farmácia, comprei um soro para o nariz (depois de tantos dias comendo poeira e poluicao o nariz entupiu). Comi alguma coisa na lanchonete do pequeno garcom que me cercou no primeiro dia: cumpri a promessa. Depois a Internet, arrumar mochila, tomar banho e seguir para o ponto de ônibus, numa agência de viagens a uns dois quilômetros do hotel.

Cheguei a tempo de saber que o ônibus não iria parar na estação Chaapatri Shivaj (Vitoria Terminus), na Fort Area de Mumbai, onde escolhera ficar. É um lugar privilegiado, com muitos serviços, e vizinho ao bairro mais chique e preferido da turistada - Colaba. Consegui trocar de ônibus, mas fiquei na última cadeira, que não reclina, apesar de ter recebido reembolso por se tratar de um ônibus mais simples. Foi uma viagem dura, com gente dormindo no chão do ônibus e poeira entrando, apesar do ar condicionado. Chegamos à Bus Stand proxima à Chaapatri Shivaj às 6h da manhâ. Escuro. Fui a uma delegacia e lá me informaram como alcançar o Hotel City Palace, que fica em frente à praca da estação - uns 1000 metros que fiz a pé, sustentando minhas mochilas em meio a um corredor de pessoas sem-teto, dormindo na calçada da estação.

01/02/06 – No coração da Índia moderna

Mumbai (antiga Bombaim), com seus 16 milhões de habitantes concentrados em algumas pequenas ilhas, enfrenta um problema sério de espaço. É uma cidade rica, responsável por 40% do PIB da Índia, mas também tem muitos pobres e favelas junto a edifícios majestosos, avenidas largas e, mais ou menos, limpas. A vida aqui é mais cara que no resto da Índia e os hotéis cobram preços exorbitantes.

Nesta manhã encontrei disponivel apenas um pequeno quarto sem banheiro e sem janela, com a promessa de que no dia seguinte mudaria para um apartamento completo. Por esse quarto, do tamanho do banheiro do quarto de minha filha, desembolsei quase o mesmo que paguei em Delhi, num bom hotel. Até o ar condicionado (geladíssimo) é compartilhado com o quarto ao lado, separado por uma divisória de madeira. No banheiro coletivo, banho de balde, ainda bem que com água quente.

Depois de dormir um pouco, sai para conhecer o bairro, fotografar a Vitoria Terminus (foto ao lado), um dos mais bonitos monumentos da cidade, descobrir coisas na área. Rapidamente fui me familiarizando. Dei uma parada no McDonalds, para um MCveg (vegetariano), descobri com um certo esforco uma Lan House onde foi possível trasnferir minhas fotos para um CD, pois o cartão da câmera estava cheio. Mumbai é muito arborizada, mas a poluição aqui é pesada, devido ao grande número de veiculos e, principalmente, os ônibus double-deck antigos. Há também o nevoeiro que, talvez só nesta época do ano, cobre toda a Índia, complicando ainda mais a poluicão provocada pela poeira (o clima é seco) e gases.

Como Mumbai é uma cidade enorme, o melhor é fazer um tour, conhecer os principais pontos turísticos rapidamente e, no dia seguinte, partir para as aventuras isoladas. O preco: só 150 rúpias (uns 9 reais) por um tour que duraria o dia inteiro. Mas depois fiquei sabendo que algumas agências vendem o servico por apenas 100 rúpias!

02/02/06 – Descobrindo Mumbai

Acordo cedo com o barulho vindo do templo da deusa Lakshimi, localizado atrás do City Palace. Às 9h30, o boy do hotel me leva até a agência de onde partirá o ônibus do tour, no mesmo bairro. O ônibus atrasa uma hora. Enquanto espero, conheco quatro rapazes da Kashimira, muçulmanos em férias, que irão me ajudar bastante nesse dia. São simpáticos e o líder do grupo, Irshad (na foto à esquerda, sinalizando com o polegar), vai ser de fato o meu guia na excursão. É que, a partir do meio-dia, o guia que falava inglês foi embora e o guia da tarde resolveu falar em hindi o tempo todo, talvez pelo fato de o ônibus estar lotado com turistas indianos - eu era o único estrangeiro. Irshad me deu uma força, traduzindo.

Foi um passeio longo, vimos muita coisa, explicações detalhadas (que só pude saber em parte). Mas o ônibus, velhinho, era bastante desconfortavel.O passeio começou pelo majestoso portal Gateway of India (foto à direita), de onde partem barcos para a Elephant Island. O portal foi construído em homenagem ao rei George da Inglaterra. Atrás do portal, o imponente hotel Taj Mahal Palace, um edifício de rara beleza e grandiosidade, construido por um imigrante persa como revanche por ter sido proibido de se hospedar no melhor hotel da cidade na época da dominação inglesa. Um passeio rápido pela ruas de Colaba, o bairro onde está o Gateway of India, point de turistas europeus.

No mirante do Nehru Park, uma vista fantástica da baía de Mumbai e da praia Chowpatti. Passamos as pressas pelo Juju Beach, onde moram artistas de cinema, uma atração local, já que Mumbai produz mais filmes que Hollywood. Sua Film City é conhecida como Bollywood. Numa área de 25 quilômetros quadrados estão vários estúdios. É orgulho nacional. Mas não há passeios até lá. Seria necessário encaminhar um pedido especial ao Departamento de Relações Públicas da Film City. Passamos pelo grande Templo de Ganesha, a simpática deidade com rosto de elefante, um dos "santos" mais evocados aqui para remover obstáculos.

Um dos melhores momentos foi a visita ao Museu Prince of Wales que tem um grande acervo de esculturas indianas milenares, imagens dos antigos templos da ilha Elephanta e também esculturas assírias incríveis. Os rapazes da Kashimira, por serem indianos, pagaram 10 rúpias para entrar no museu. Eu, por ser estrangeiro, 300 rúpias e mais 30 rúpias para poder fotografar! Pelo menos tive um privilégio: um guia eletrônico (um walkmam), que ia descrevendo em inglês as peças que eu via na seção de esculturas (imagens de deidades hindus antiquissimas.

Outro: a parada na praia seguinte à Juju Beach para o espetáculo do por-do-sol no Mar da Arábia, apesar da nebulosidade. Nesse horário são milhares de pessoas na areia , passeando ou observando o sunset. Não há ninguém tomando banho. Vestidos com roupas normais, alguns apenas tiram os sapatos para molhar os pés.Ali pertinho, na volta, tivemos a oportunidade de ver e entrar no templo dos Hare Krisha (Isckon), mas ai me deixei levar pelo medo. Estava escuro, o onibus havia parado a uns 500 metros, os rapazes muculmanos ficaram na praia e eu nao via mais ninguém do grupo. Fotografei o belo templo e voltei rápido para o onibus, que so partiria 30 minutos depois. Uma pena.

Os rapazes da Kashemira decidiram ir a um bairro muçulmano para visitar uma mesquita. Me convidaram. Disse que estava cansado e preferi retornar. O ônibus me deixou próximo à Chaapatri Sivaji às 9h30 da noite, - quatro horas e meia depois do horário marcado para o término do passeio. Mas foi um grande dia, muito útil para mim. Tive uma visão geral de Mumbai, uma cidade bem festiva (durante o passeio vimos muita batucada) e conheci muitos lugares.Nesse dia também descobri algo mais sobre o cotidiano indiano.

Aqui, como em outras cidades, os garcons trabalham descalços, exceto nos restaurantes mais chiques e frequentados por ocidentais. Na parada para o almoço, vi como são lavados os copos de alumínio em que são servidos a água tão logo o cliente chega ao restaurante (com tanta pimenta na comida, é preciso muita água). Vi também como são enchidos com água para os clientes (pelo menos naquele restaurante). E bom não falar... Vou continuar bebendo água mineral. Aqui as garrafas de 1 litro são a bebida oferecida em primeiro lugar aos estrangeiros.

Chego ao hotel ainda a tempo de trocar de apartamento. Consigo então um AP completo, com razoável conforto. Saio de novo para jantar no pedaço. Estou cansado, mas satisfeito.

03/02/06 – Encantos da grande metrópole


Na véspera conversara com um atendente do hotel, o Vinod, sobre a possibilidade de eu comprar uma passagem de avião para Delhi. Estou cansado e não quero mais enfrentar trem ou ônibus nesta última semana na Índia. De Mumbai a Delhi sao mais de 1 mil quilômetros. Peço-lhe para fazer uma reserva na Deccan, a BRA daqui, pois preciso poupar tempo para conhecer Mumbai. Ele sugere viajar pela Kingfisher, garantindo que é a mais barata e tem bom servico. Ao levantar hoje, no entanto, vejo na TV que os trabalhadores de aeroportos estão em greve e comento com o Vinod. Vinod me tranquiliza, diz que são apenas os trabalhadores da área de servicos administrativos dos aeroportos (greve contra a possivel privatizacao dos serviços). As companhias aéreas estao funcionando e apenas algumas vôos atrasam. Bato o martelo e deixo os 126 dólares para pagar a passagem, já que não podia fazer via cartão (na verdade, é uma forma do hotel ou do atendente ganhar sua comissão).

Depois do café, pego um taxi para o Gateway of India. Meu plano é conhecer a Elephant Island e o que sobrou de seus templos milenares esculpidos na rocha. Como sou estrangeiro, preciso pagar 5 dólares para ter acesso às cavernas. O bilhete do barco "deluxe" me dá direito a um guia, que descreve as imagens na primeira caverna, a única com alguma preservação. É lá que está a imagem trimurti de Shiva (três cabecas, foto à direita), representando suas faces criadora, mantenedora e destruidora). Para chegar as cavernas, muitos degraus e uma feirinha de lindos trabalhos artesanais. Há liteiras para transportar turistas até o alto da montanha por 200 rúpias (300 ida e volta). Como no seculo XIX, são levadas no ombro, cada cadeira por quatro homens. Tudo barato. Mas infelizmente nada compro, pois não há espaço nas mochilas e os calos nos pés incomodam.

Volto no meio da tarde. No barco conheco o Birendra, um artista plástico que me dá mais algumas dicas. Nos despedimos no Gateway of India e sigo sozinho para descobrir a Colaba. Rodo a pé. Fotografo, paro numa festa de casamento e sou autorizado a fotografar. Um casamento aqui é um acontecimento, uma festa impagável (foto abaixo, à esquerda). Muitas cortinas coloridas na grande tenda, seda demais, guirlandas, candelabros, luzes, sempre numa área ampla, às vezes num campo de criquet. O noivo chega sobre um elefante ou sobre um cavalo, enfeitado com mantos e celas coloridas e douradas. O próprio noivo, surge com roupa colorida, turbante de marajá. Antes de cruzar a entrada da grande tenda, todo um cerimonial. Recebe comida especial de uma mulher, talvez a mãe. Os amigos o cercam, outros dançam e jogam confetes, impedindo a entrada do cavalo. Uma charanga faz um batucada estridente. Soltam fogos de pequeno impacto que lancam confetes na multidão.

Na verdade, os tambores e os chocalhos fazem parte da vida indiana e do hinduísmo. Estamos sempre ouvindo-os em toda parte. Nos templos, nas comemorações, nos comícios (esta havendo muitos aqui). Até para estacionar um ônibus ou carro, o guia batuca no veiculo. Faz um ritmo e quando a música termina é que a operação foi concluída. Ja é noite e perambulo pela famosa Causeway, a rua da Colaba onde estão muitos bares e restaurantes, boutiques masculinas e femininas, grifes internacionais e também lojas de produtos populares, em boa parte pertencente a imigrantes iranianos adeptos do Zoroastrismo - os Parsis, que costumam deixar seus mortos nas Towers of Silence, torres enormes que avistei durante o tour de ontem, a fim de que os abutres possam comê-los.

Tomo um lanche no famoso Leopold Cafe, um restaurante chic, fundado em 1871, repleto de turistas estrangeiros. Os precos? O dobro lá de fora. Mas a comida é boa. As paredes exibem telas de bom gosto, a iluminação indireta e agradável, os garcons servem com classe. Há tambem bebida franca. Em Mumbai o consumo de álcool é praticamente liberado e pode-se ver alguns indianos de porre nas ruas. Em outras partes do país, só há bebida alcoólica nos grandes hotéis e nos Permit Room (ambientes especiais). Os filmes produzidos pela Bollywood tem a ver com isso, gracas a sua receita de melodrama, humor, violência e garrafas de bebidas nas mãos dos atores.

Saio e avanço pelas vielas, saio da área central da Colaba, entro em pequenas lojas, preciso comprar uma camisa, pois não tenho mais camiseta limpa, paro a fim de assistir a um comício - aqui, eles acntecem numa área ornamentada com cortinas de seda, esteiras e gente sentada, sem sapatos. No palco, o politico discursando e nas pausas... tambores e chocalhos.

Retorno a área do meu hotel de taxi e arrependido por ter marcado viagem para Delhi no dia seguinte, sábado. Teria sido melhor ficar em Mumbai, continuar curtindo essa cidade que, de certo modo, me encantou. Dominei rapidamente seu código, como se eu estivesse em São Paulo. E foi a cidade onde, tive uma certa dificuldade de comunicação com algumas pessoas, pois a diversificação dos sotaques aqui e grande e tem muita gente que não fala inglês entre o povo.

Chego a tempo de acessar a Internet (a Lan House fecha às 11h da noite) e passar um email para o Hotel Ajanta , de Nova Delhi, pedindo reserva de um apartamento e alguém para me pegar no aeroporto. Nao há mais restaurante aberto junto ao hotel. Vou a outro numa rua próxima. Um bêbado senta-se na minha mesa (na India pode-se sentar numa mesa já ocupada, desde que se peça licença), pergunta se sou de Chicago e me obriga a provar sua comida indiana. A comida é lacto-vegetariana. Fala sobre as virtudes do yogurte, diz que dá vigor ao homem. Mas sai antes que eu acabe a refeição.

04/02/06 – Delhi de novo e a imensa saudade da Índia


Acordo às 10h, organizo minhas tralhas e resolvo seguir para o aeroporto doméstico de Mumbai (Santa Cruz). Quatro horas antes da partido do meu vôo. Devido à greve, melhor ser precavido. Despedida afetuosa no hotel. Não dou caixinha ao Vinod. Acho que ele ganhou uma boa comissão com a minha passagem aérea e também com uns dólares que pedi para ele cambiar para mim (ontem à noite troquei dólares a uma taxa bem mais vantajosa em Colaba). Mas atrás de mim, enquanto desço a escada se forma uma pequena procissão de boys, camareiros, gente que me prestou algum serviço. Todos na esperanca de que lhe de algumas rúpias. Percebo que sou dos poucos hóspedes que dão caixinhas aqui. Até o guarda do hotel, se apressa em abrir a porta do táxi. Distribuo 70 rúpias! (Uns quatro reais).

O motorista me deixa no terminal errado. Há confusão, polícia na entrada, muita sujeira, funcionários em greve, equipes de TV e jornais. Sou entrevistado por um repórter do jornal "Asia Age" e sigo a pé para o terminal ao lado. É a policia quem garante os serviços minimos de manutenção do terminal, mas as companhias aéreas estão OK. Vejo então que a Kingfisher é uma empresa diferenciada, que oferece um excelente serviço, como fazia a Tam no passado. Bom atendimento. Avião luxuoso. Serviço de bordo requintado e já incluido na passagem. Brindes. Aeromocas vestindo discretas minissaias, em vez dos saris das aeromocas da Indian Airlines ou da Air India, as mais tradicionais e mais caras. Video na cadeira e 17 canais com programações especificas, inclusive entrevistas com artistas da Bollywood. Desconfio que estou pagando mais por tudo isso, que fui enrolado pelo funcionário do hotel. Se isso aconteceu devo ter pago, no máximo, uns 70 reais a mais, por um servico de primeira. Valeu.

A viagem até Delhi durou 2 horas. Na aáea interna do aeroporto não encontrei ninguém do Hotel Ajanta. Então comprei um bilhete de taxi pre-pago. Acho que fui roubado, mas como não tinha certeza, não pude reclamar. Penso ter dado duas notas de 100 rupias para pagar o bilhete de 160 rupias. De repente o rapaz esta com um cedula de 100 e outra de 50 me pedindo mais 10 rupias. Penso que, se houve troca, ocorreu enquanto eu ajustava a bagagem no carrinho.Ao sair para o pátio, encontrei o motorista e a van do Hotel Ajanta e voltei para cancelar o bilhete do taxi. Além de mim, na van, um rapaz australiano que também acabara de chegar. Viemos conversando até ao hotel.

Nesta noite assisti a um kirtan num templo hinduísta, bem simples, aqui próximo ao hotel. Um ato do qual participavam apenas jovens. Foi lindo e fui muito bem recebido pela turma. Jantei bem e agora, 1h40, encerro atividades. Quero dormir sem hora para acordar.

Últimos dias – Que viagem inesquecível!

Ainda ficaria em Delhi até a madrugada de 10 de fevereiro de 2006, quando embarquei para Frankfurt. Mas não seria mais possível registrar minhas atividades em emails para a família ou amigos. Meu chefe na revista Viagem e Turismo, Kiko Nogueira, comunicou-me que batera o martelo quanto a uma edição especial da revista sobre a Índia e pediu que eu elaborasse de imediato um projeto editorial. Em seguida determinou que eu preparasse um resumo, em inglês (apesar de minhas limitações nesse idioma) e o encaminhasse ao sr. Venkatesan, representante do Departamento de Turismo da Índia em Nova York, que assegurara suporte publicitário.

Os dias de descanço e atividades leves na volta a Delhi não aconteceram. Foi trabalho duro no bussiness center do meu hotel e no de um hotel próximo, que cobrava menos pelo uso dos micros. Ainda assim encontrei tempo para deliciar-me com um espetáculo de danças clássicas e folclóricas no domingo, 5 de fevereiro, e no dia 7 dediquei-me à descoberta do Akshardham Park (foto à direita), um novíssimo parque temático espiritual inaugurado em novembro de 2005, junto ao rio Yamuna, a 25 quilômetros do centro de Delhi. É fantástico, uma espécie de Disneylândia hinduísta – imponente e high-tech - , inspirada na obra do guru Swaminarayan, um dos reformadores do hinduísmo. Acertei a viagem até lá com o Ashoka, um motorista de riquixá simpático, cuja veículo é ornamentado com santinhos de Shiva e madre Teresa de Calcutá, evidenciando a divisão religiosa de sua família. Ele ajudou-me nas sete horas em que passei dentro do parque, sem que pudesse conhecer tudo o que lá existe.

Ainda voltaria ao kirtan no templo humilde. Lá, gravei sons da moçada, em seus cânticos devocionais. Sem frio, pude jantar todas as noites no self-service da cobertura do hotel. Experimentei o serviço de barbeiros muçulmanos, simpáticos, apesar de não falarem inglês. Perambulei enfim por Delhi, como gosto de fazer, e, por último fui às compras, às livrarias e presenciei nas ruas parte de um festival islâmico que aconteceu na cidade no dia 9 de fevereiro. Nesta noite, meu jantar na cobertura foi especial: a cortesia dos garçons amigos e os fogos no céu de Delhi, por causa do festival islâmico, enfeitaram minha despedida. Uma cena que me emocionou, coroando nos últimos minutos essa viagem em tudo e por tudo inesquecível. Graças a Deus!

No meu site Planeta Jota (http://www.planetajota.jor.br/) a matéria Índia é também ilustrada com pequenas filmagens que fiz em Bodhgaya, Rishikesh e Delhi. Vale a pena dar uma olhadinha na reportagem e nas imagens.
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[Estas anotações informais complementam a reportagem do site http://www.planetajota.jor.br/ e a reportagem especial ÍNDIA - A deusa de mil faces, da revista Viagem e Turismo, da Editora Abril]